INTERESSES O atual presidente da entidade, general Guilherme Theóphilo, era braço direito de Sérgio Moro e ainda exerce forte influência no governo (Crédito:Divulgação)

Representantes das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil se reuniram nos dias 27 e 28 de abril em Brasília para pôr de pé um plano que se levado adiante tem o potencial de dizimar a concorrência no bilionário mercado de distribuição de combustíveis. A estratégia foi detalhada a uma plateia selecionada, formada por autoridades públicas e parlamentares da base aliada do governo de Jair Bolsonaro. Uma das testemunhas do encontro, que pediu para não ter sua identidade revelada, afirmou que as gigantes do setor contrataram escritórios de advocacia e empresas particulares de espionagem para escrutinar todo e qualquer ato de três concorrentes menores do eixo Rio-São Paulo, as produtoras de combustível Copape e Refit e a usina de etanol Canabrava, com o objetivo de tirá-las do mercado. Do trabalho dessa “milícia” privada sairiam informações que as grandes distribuidoras repassariam para as procuradorias estaduais da Fazenda. O intuito é que as procuradorias promovam uma caçada implacável aos três alvos que, juntos, não concentram nem 2% de participação no mercado de refino.


O trabalho das grandes distribuidoras de combustíveis é coordenado pelo Instituto Combustível Legal (ICL), que nada mais é do que uma versão repaginada do sindicato que as representa há décadas, o Sindicom. O atual presidente da entidade é o general Guilherme Theóphilo, que foi braço-direto do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Em que pese o distanciamento entre o ex-juiz e Bolsonaro, o aliado de Moro exerce forte influência no governo quando o assunto é combustível e sua missão é preservar os interesses das gigantes. A investida contra os pequenos do setor é grave, mas não inédita, tendo vários precedentes históricos. Antes mesmo do surgimento da Petrobras em 1941, as grandes empresas já se juntavam para esmagar qualquer pequeno produtor que tentasse desafiá-las. “Certamente foi um dos mais lobbies mais poderosos do século passado”, relembra um especialista do setor.

Acusações frequentes

Atualmente, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) dita as regras para a distribuição de combustíveis no Brasil. Até 1996, quando o mercado ainda era fechado, o Sindicom atuava simplesmente para mantê-lo funcionando da mesma forma. A partir de 1997, com a abertura e o surgimento de novas distribuidoras e de uma competição até então desconhecida, o sindicato começou a ser um meio de perseguição aos concorrentes. Sob o manto de defensores do mercado legal, acusavam as empresas que entravam no negócio de sonegação e adulteração de combustíveis, mas surpreendentemente tinham associadas que cometiam os mesmos crimes e haviam sido flagradas com grandes estoques de gasolina adulterada. Em 2019, amparado em denúncias de cartelização, mau uso do dinheiro público e falta de transparência, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação sobre o repasse de R$ 158 milhões da BR Distribuidora para o Sindicom, a partir de 2006. Depois desses fatos, o Sindicom mudou seu nome para Plural e, posteriormente, para Instituto Combustível Legal.

O que se investigou no processo do TCU foi a suspeita de que o Sindicom utiizava dinheiro público para perseguir e difamar seus concorrentes. Em apenas uma década, foram mais de R$ 200 milhões em despesas com contratações de escritórios de advocacia, assessorias de imprensa, empresas de espionagem e com pagamentos de salários astronômicos para seus executivos. Sabe-se que a conta era dividida com base na participação de mercado de cada uma das 12 associadas que a entidade tinha na época. A empresa que detém a maior fatia do mercado nacional é a BR Distribuidora, atualmente chamada Vibra, com quase 40% de participação. Até três anos atrás, ela era uma empresa estatal, que teria pago, portanto, R$ 80 milhões do total da fatura em serviços de lobby e contra-informação sem ter prestado conta de um centavo da utilização desses recursos. O mercado de distribuição é dominado pela BR, Shell (Raízen) e Ipiranga (Ultrapar), que somam, juntas, 62,1% das vendas de gasolina e 69,8% das de diesel. O restante é das empresas de bandeira branca.

Questionado pela reportagem, o advogado Ricardo Magro, que advoga para uma das empresas que estão sob a mira do Instituto Combustível Legal, afirma desconhecer diretamente o fato, mas considera plausível que a perseguição aconteça. “No início da década passada, o Sindicom contratou a empresa Kroll para investigar seus concorrentes”, lembra. “O relatório final foi encontrado em uma busca e apreensão realizada em um dos alvos da Kroll e, diante disso, o presidente do Sindicom, na época dos fatos, reconheceu que havia contratado a empresa.” Dessa forma, segundo Magro, independentemente do aspecto pouco moral deste tipo de contratação, o mais importante é entender se houve e se está havendo utilização do dinheiro público por meio da BR Distribuidora. Para o advogado, caso exista dinheiro público envolvido, os contratados deveriam ter participado de licitações e os executivos que fizeram a contratação deveriam responder como verdadeiros agentes públicos, ou seja, podendo ser atingidos pelo mesmo tipo de sanção que um funcionário do Estado sofreria na utilização irregular e sem transparência desses recursos.