Caro Everson,

Em primeiro lugar, permita-me me apresentar. Sou o Ricardo Kertzman, empresário, colunista do Estado de Minas Digital e Portal UAI, e também da revista e site da Istoé, comentarista da Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, atleticano fanático (neste caso, com o perdão pela redundância) e… judeu! Sim. Judeu.

Em segundo lugar, receba meu abraço solidário e fraterno, pelo ataque racista – outro!! – que você sofreu nesta terça-feira (27), no Paraguai, após o jogo do Atlético contra o Libertad.

Dias atrás, em recente viagem à Barcelona, na Espanha, eu me indignava, “in loco”, com a passividade, ou melhor, o completo descaso do povo espanhol em relação ao ataque racista – mais um! – sofrido pelo Vini Júnior, durante uma partida contra o Valencia. Aliás, o décimo episódio, desde que o nosso craque chegou ao Real Madrid.

Antes dele, querido Everson, sem muito trabalho de pesquisar, puxando aqui pela memória (já meio gagá), apenas com jogadores brasileiros, me lembrei de casos semelhantes, envolvendo Neymar (PSG), Gabigol (Flamengo), Alexander (Vasco), Dalbert (Fiorentina), Taison (à época, no Shakhtar Donetsk), Serginho (à época, no Jorge Wilstermann), Tinga (à época, no Cruzeiro), Dani Alves (à época, no Barcelona).

Acima, como eu disse, são casos mais recentes e tirados de “bate-pronto”. Pesquisando outros, mais antigos, encontrei: Roberto Carlos, Aranha, Arouca, Michel Bastos, Grafite, Diego Maurício, Paulão, Obina e até Hulk, atualmente seu colega aí no Galo. E nem estou colecionando, aqui, os treinadores brasucas: Lula Pereira, Cristóvão Borges e Carlinhos.

É inquestionável e irrefutável o racismo no futebol mundial, como inquestionável e irrefutável é o desprezo das entidades organizadoras pelo assunto. CBF, Conmebol e FIFA, juntas ou isoladamente, estão literalmente “se lixando” para o racismo. Pior. Estão se lixando para os atletas que entopem seus cofres com bilhões de dólares todos os anos.

Toda e qualquer forma de preconceito, ou discriminação, deve ser imediata e ferozmente combatida. E o combate, além do grito das vítimas e de quem lhes é empático, deve vir sob a forma de penas duríssimas no âmbito judicial e, talvez ainda mais importante e efetivo, multas avassaladoras aos clubes envolvidos, quando não, a depender da gravidade e reincidência, o banimento das torcidas criminosas dos estádios.

Ano passado, após a eleição do presidente Lula, uma série de ataques xenófobos circularam impunemente pelas redes sociais contra os nordestinos. À época, tão ou mais P da vida do que agora, gravei (de improviso) um vídeo que viralizou e foi compartilhado e visto milhões de vezes por todo o Brasil. Minha ligação com o povo do norte e nordeste do País transcende minha indignação; trata-se verdadeiramente de gratidão.

Quem me acompanha sabe de minha luta quase diária contra canalhas – me perdoem, mas este é o termo apropriado – que agridem gratuitamente homossexuais e transexuais, certo, Deputado Nikolas Ferreira?, índios e quilombolas, certo, ex-presidente Jair Bolsonaro?, idosos e obesos e/ou quaisquer outras pessoas com características que, sei lá por que, incomodam essa gente asquerosa.

Como judeu, não foi uma nem foram duas as vezes em que fui adjetivado pejorativamente em comentários de textos meus. Não considero ofensa, pois ser judeu jamais, a meu ver, poderia se tratar de algo ofensivo. Ao contrário. A contribuição do meu povo à humanidade, a despeito de tudo o que passou – e passa – dispensa demais delongas. Mas o antissemitismo continua vivo e pujante, infelizmente.

(Aliás, neste sentido, aproveito para mandar um recado, ainda amigável, a uma escola de Belo Horizonte: nosso assunto continua “em aberto”).

Everson, certamente, não foi nem será a última vítima destes selvagens imundos, que circulam livremente entre nós, os civilizados. Mas o goleirão do Galo – que engole uns frangos de vez em quando (olha a corneta aí, geeente!!) – é rico e famoso. Eu não sou nem uma coisa nem outra, mas tenho estes poderosos veículos de comunicação, que gentilmente me aturam, a reverberar minha voz indignada. Porém, como ficam as vítimas anônimas?

Como ficam os pobres, pretos, LGBTQIA+, judeus, índios, nordestinos etc., anônimos, sem dinheiro para advogados, sem voz na imprensa, sem nem sequer uma mísera autoridade a lhes dar ao menos, senão a Justiça, uma palavra de solidariedade?

Essa é a pergunta que não cala, meu caro Everson, e que nós, privilegiados, devemos atirar nas fuças de quem pode, e deveria!, fazer alguma coisa, e, covardemente, para dizer o mínimo, não faz. Bora atazanar a vida desse pessoal, até que resolvam mexer o bumbum branco, rico, hetero, cristão e blá blá blá, em prol de quem precisa?

Forte abraço! De um judeu para um preto. Ambos afortunados, também por isso.