O Carnaval do Rio de Janeiro iniciou oficialmente nesta sexta-feira (9) uma de suas edições mais contestadoras com a bênção de seu prefeito, Marcelo Crivella, acusado de querer minguar a famosa festa por suas convicções religiosas.
Depois de deixar de lado a celebração do ano passado, logo após assumir o cargo e de cortar à metade as subvenções para os desfiles, Crivella se viu forçado a mudar de atitude e, nesta manhã, comandou a entrega das chaves da cidade ao Rei Momo, acompanhado por suas princesas e duas passistas com vestidos de lantejoulas.
“Declaro o Carnaval oficialmente aberto!”, gritou o Rei Momo, que governará o Rio simbolicamente até a quarta-feira de cinzas.
A alegria da banda que tocava a música “Cidade Maravilhosa”, no Palácio da Cidade, contrastava com o posado e mais frio Crivella que, no entanto, elogiou várias vezes a beleza e a poesia do Carnaval.
Mas quando chegou o momento de entregar as chaves, o bispo licenciado da Igreja Universal passou a responsabilidade a um de seus funcionários. Em uma cidade afundada na crise financeira e atravessando nova onda de violência, Crivella assegurou: “não quero estragar a festa”.
O prefeito se baseou nos problemas de caixa da cidade para justificar seu corte às subvenções dos desfiles no Sambódromo, mas os foliões o acusam de ir contra uma tradição sagrada que atrai mais de um milhão de turistas e gera mais de um bilhão de dólares ao Rio.
“Fora Crivella” foi ouvido em vários blocos por toda a cidade, como no “Simpatia É Quase Amor”.
E se as ruas prometem uma boa dose de crítica, no domingo e na segunda-feira, 13 escolas do Grupo Especial terão uma visibilidade ainda maior na passarela do samba.
– Entre vampiros e bafômetros –
“Com dinheiro, ou sem dinheiro, eu brinco!”, diz o enredo da Mangueira, que dará outro recado em seu refrão: “Pecado é não brincar o Carnaval!”.
“Para a doutrina evangélica, o carnaval é a festa do diabo. O evangélico pode achar isso, mas o prefeito da cidade do Rio de Janeiro não pode”, disse à AFP o diretor artístico da Mangueira, Leandro Vieira.
O Carnaval na Sapucaí sacode a poeira de seu lado mais reivindicativo, longe dos desfiles patrocinados, e abordará também os tempos difíceis que o Rio e o Brasil atravessam.
Símbolo desta mudança, a Beija-flor vai se inspirar na figura do Frankenstein para encarnar o “monstro” corrupto, abandonado e intolerante em que, a seu ver, o país se tornou, exibindo políticos de terno e gravata atrás das grades.
A Paraíso do Tuiuti abordará, por sua vez, o tema da abolição da escravidão, do racismo e dos direitos dos trabalhadores, encerrando seu desfile com a figura de um vampiro, uma alusão ao presidente Michel Temer, que empreendeu uma série de reformas pró-mercado desde que assumiu o poder em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff.
A Portela, que dividiu o título de campeã com a Mocidade no ano passado, vai refletir sobre a imigração, com a história dos judeus expulsos do Brasil, que ajudaram a fundar Nova York, enquanto a escola de Padre Miguel levará para a avenida um desfile inspirado na Índia.
Outro ponto central dos desfiles será a segurança, depois da acidentada edição do ano passado, quando a parte superior de um carro alegórico da Unidos da Tijuca desabou com vários componentes que sambavam na estrutura, e outro carro, da Paraíso do Tuiuti, perdeu o controle e atropelou várias pessoas na pista, causando a morte de uma jornalista.
Teoricamente, este ano houve uma fiscalização maior e haverá testes do bafômetro para os motoristas dos carros.
– “Não é não” –
Nas ruas do Rio e também em Salvador, Olinda e São Paulo, a festa já começou há semanas, regada a música, cerveja e purpurina.
Mais uma vez, as pessoas têm demonstrado uma enorme criatividade na confecção das fantasias: embora quem não quer esquentar muito a cabeça opte pelo onipresente unicórnio, os mais criativos podem se vestir de Bitcoin, do mosquito da febre amarela, ou de malas de dinheiro, por exemplo.
E, enquanto as autoridades vão distribuir mais de 100 milhões de preservativos para a festa, em meio à polêmica mundial sobre o assédio #MeToo, as brasileiras têm seu lema próprio no Carnaval, o “Não é não”, que exibem com tatuagens temporárias no corpo.