Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

Cármen rejeita pedido de Bolsonaro que poderia minar inquérito do golpe

Cármen Lúcia apontou questão formal, de prazo, e rejeitou pedido dos advogados de Bolsonaro para anular provas de caso decisivo à investigação sobre golpismo

Rosinei Coutinho/STF; Isac Nóbrega/PR
Foto: Rosinei Coutinho/STF; Isac Nóbrega/PR
Cármen Lúcia não deu qualquer chance de prosperar um pedido da defesa de Jair Bolsonaro que poderia minar o inquérito do golpe.

Em decisão assinada na quinta-feira, 30, a ministra rejeitou o mandado de segurança do ex-presidente para anular todas as provas de um caso que foi decisivo para aprofundar a investigação da trama golpista: a fraude no cartão de vacina de Bolsonaro e de assessores. Nessa frente, o ex-presidente foi indiciado por associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações.

A suposta fraude no cartão de vacinação contra Covid-19 não tem relação direta com os planos golpistas, mas foi no âmbito dessa apuração que, em maio de 2023, Alexandre de Moraes mandou prender o tenente coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator, e autorizou um mandado de busca e apreensão contra ele.

Na operação, batizada como Venire, a Polícia Federal acessou informações de aparelhos eletrônicos do militar que ajudaram a desenhar a trama golpista. Na ocasião, o celular de Bolsonaro também foi apreendido. Quatro meses depois, Cid fechou delação premiada com a PF.

Como revelou a coluna, os advogados de Jair Bolsonaro apresentaram ao Supremo em 20 de dezembro um mandado de segurança que questiona diversos pontos da investigação sobre o cartão de vacina e da atuação de Moraes à frente do caso. O pedido era para que a apuração fosse anulada, assim como todas as provas decorrentes dela — ou seja, o material apreendido com Mauro Cid.

A defesa de Bolsonaro argumentou que a petição número 10.405 do STF, em cujo âmbito a Operação Venire foi deflagrada, foi ilegalmente instaurada por Alexandre de Moraes e distribuída a ele pelo próprio ministro. Os advogados sustentaram que, embora não seja formalmente um inquérito e, portanto, não esteja regida pelos mesmos parâmetros e controles legais, essa petição é um “inquérito travestido”, aberto sem participação ou pedido da PGR ou da PF.

Outro ponto atacado pelos defensores de Jair Bolsonaro é a alegada falta de relação entre o caso da fraude no cartão de vacina e os inquéritos das fake news, das milícias digitais e o que apurou vazamento ilegal de dados por Bolsonaro de uma investigação da PF sobre urnas eletrônicas. Assim, não haveria motivo para que Alexandre de Moraes, responsável por esses inquéritos, fosse também o relator das investigações da Operação Venire.

Segundo os advogados, a atuação de Moraes fere os direitos à “dignidade da pessoa humana” de Bolsonaro, além de violar a presunção de inocência, o princípio do juiz natural, a ampla defesa e o tratamento equidistante do juiz às partes, entre outros.

Nas palavras da defesa, Bolsonaro e outros investigados “estão sendo submetidos à infundada e ilegítima investigação travestida de ‘Petição’ violadora de inúmeros princípios constitucionais e indevidamente conduzida por órgão incompetente e por relator/julgador desprovido de imparcialidade, o que lhes ocasiona diuturnamente prejuízos irreparáveis aos seus direitos constitucionalmente garantidos – principalmente o devido processo legal, ampla defesa, imparcialidade e vedação a juízo de exceção”.

O “não” de Cármen Lúcia

Cármen Lúcia, no entanto, sequer chegou a analisar os argumentos em si. A ministra negou o pedido considerando uma questão formal, de prazo. O recurso de Bolsonaro questionava a decisão de Moraes de abrir a investigação sobre o cartão de vacinação, assinada em junho de 2022, e a decisão de Dias Toffoli que instaurou o inquérito das fake news, em março de 2019. Cármen pontuou que um mandado de segurança contra essas decisões só seria cabível em um prazo de até 120 dias depois delas, já vencido.

A ministra também apontou que esse tipo de recurso, o mandado de segurança, não poderia ser admitido contra decisões do próprio STF, a menos que houvesse “flagrante ilegalidade ou teratologia”. Para Cármen, as decisões de Moraes e Toffoli não são ilegais ou teratológicas.

Os advogados do ex-presidente ainda podem recorrer da decisão de Cármen Lúcia, para que o pedido seja julgado de maneira coletiva no STF.

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Estratégia repetida

A estratégia usada pelos advogados de Jair Bolsonaro, e frustrada por Cármen, não é exatamente nova. Como mostrou a coluna em março de 2024, a defesa do ex-presidente já havia lançado a mesma tentativa, mas sem ser em nome de Bolsonaro. A ação havia sido apresentada ao STF por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada em nome do Progressistas, partido comandado por Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro.

A ADPF foi rejeitada em decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, em setembro, depois mantida pela Segunda Turma do Supremo, por unanimidade, em julgamento virtual concluído em novembro.

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