A prisão do todo-poderoso Carlos Ghosn, em novembro passado, em Tóquio, lançou luz sobre um sistema judiciário japonês complexo, que chocou no exterior pela longa privação da liberdade que autoriza.

– Particularidades –

“Não existe um sistema perfeito, mas o do Japão é o único que permite uma detenção prolongada mesmo antes de qualquer acusação e impede os advogados de comparecerem às audiências”, resumiu recentemente em conversa com a AFP Kana Sasakura, professor da Universidade Konan de Kobe (sudoeste).

O suspeito pode permanecer sob custódia por até 22 dias em caso de ordem de prisão do Ministério Público (23 dias pela polícia).

Ao final das primeiras 48 horas, o Ministério Público deve solicitar uma extensão da detenção a um juiz, mas este último dá sinal verde na esmagadora maioria dos casos.

Após este primeiro período, o suspeito pode ser acusado, libertado sem acusação (em 50% dos casos), ou preso novamente por outro motivo.

No caso de Ghosn, três mandados de prisão já foram emitidos. Sua última custódia policial expira na sexta-feira.

Ele poderá então permanecer preso, aguardando julgamento, por um período de dois meses, com possibilidade de extensão.

A título de comparação, a duração de uma custódia é, em princípio, de 24 horas na França e pode chegar a 96 horas para casos não relacionados ao terrorismo. Esse intervalo é seguido por um longo período de detenção preventiva em casos criminais.

– Confissões a qualquer preço? –

Durante seu longo período sob custódia, o suspeito no Japão é submetido a repetidos interrogatórios, sozinho, em um ambiente que “risca terminar em confissões forçadas e condenações injustas”, segundo a Anistia Internacional.

“O suspeito é como um refém, cujo ‘resgate’ é a confissão”, escreveu Colin Jones, professor da Escola de Direito Doshisha, em Kyoto, no jornal Japan Times.

Agora, as audiências são inteiramente filmadas, o que não era o caso no passado, quando erros judiciais significativos já foram cometidos.

Alguns comparam o Japão a “um país quase stalinista”, observa Jean-Marie Bouissou, pesquisador especializado no Japão, mas “se esquecem de dizer que os cidadãos se beneficiam, em troca desse exigente sistema judicial, do direito essencial de viver em segurança”.

E, para citar as estatísticas: em 2017, foi registrado no arquipélago apenas um delito a cada 125 japoneses, contra um a cada 16 franceses.

– Quais são as condições de detenção? –

O centro de Kosuge (norte de Tóquio), onde o empresário de 64 anos tem estado desde sua detenção, tem mais de 3.000 detidos.

Os presos dormem em pequenas celas e seguem uma rotina muito rigorosa: acordam pouco antes das 7h, com o apagar das luzes às 21h, comem três refeições por dia à base de arroz e têm 30 minutos de exercícios.

Ghosn, que apareceu mais magro na terça-feira em sua primeira audiência no tribunal, foi transferido para uma cela mais espaçosa e aquecida há algumas semanas e tem uma cama estilo ocidental em vez de um futon no chão.

Ele recebe regularmente a visita do embaixador francês, o do Líbano e do cônsul brasileiro, seus três países. Não pode ver sua família.

A disciplina nas prisões japonesas é severa, como em todas as coletividades japonesas, mas os locais de detenção não são lotados, com uma taxa de ocupação de apenas 67% contra 115% na França, nota Bouissou.

– Maioria dos réus é condenada

Segundo o advogado de Ghosn, um julgamento não ocorrerá antes de vários meses.

Pode realmente ser muito longo, se nos referirmos a exemplos anteriores, como o do francês Mark Karpelès.

Preso no verão de 2015, o ex-barão dos bitcoins ficou detido por um ano inteiro e foi solto sob fiança com a proibição de deixar o país. Seu processo foi aberto em julho de 2017, para um julgamento previsto para 15 de março. Esse exemplo pode dar uma ideia da longa jornada judicial que aguarda o CEO da Renault.

Indiciado em 10 de dezembro por não ter declarado todos os seus rendimentos às autoridades do mercado de ações, ele enfrenta uma multa de 10 milhões de ienes (80.000 euros) e 10 anos de prisão, mas pode obter um sursis, acreditam os especialistas.

Se também for acusado de quebra de confiança na sexta-feira, a pena máxima é a mesma, mas o risco de uma sentença é maior.

Ele pode sair ileso? No Japão, 99% daqueles enviados perante o tribunal são considerados culpados.