Carlo Milani, diretor de O Escaravelho do Diabo, sabe do risco que corre ao fazer mudanças na adaptação de um livro cultuado. Desde sua publicação, em capítulos, na revista O Cruzeiro, no fim de 1953, e depois como livro, em 1974, o clássico da Coleção Vaga-Lume já chegou à 27.ª edição. Gerações de leitores conhecem a trama, os personagens. Cada um terá seu inspetor Pimentel na cabeça.

Apesar disso, Milani está otimista. “As sessões que já fizemos apontam para uma receptividade alta. E eu tenho quatro filhos, uma escadinha entre 25 e 4 anos. Eles gostaram e tenho a impressão de que não foi só para agradar ao pai.” Marcos Caruso, que faz Pimentel, está louco para ver a reação do filho. “Ele foi um leitor ávido do Escaravelho. Caetano (Caruso) está numa praia filmando uma série da Disney sobre campeonato de surfe.”

Aos 64 anos, que completou em fevereiro, e uma extensa carreira no teatro, cinema e televisão, Caruso admite que todo ator tem seus vícios, suas muletas para facilitar o trabalho. Contracenar com jovens – como Thiago Rosseti, que faz Alberto, o protagonista de O Escaravelho – “obriga a gente a se renovar. Eles não têm vícios. Desarmam a gente com sua espontaneidade”, reflete. Caruso conversa com o repórter do set de gravações de Chapa Quente. Como – ele já está gravando de novo? Mal saiu de uma novela – A Regra do Jogo – e já emenda uma série? “Graças a Deus!” Marcos Caruso, seu nome é trabalho? Ele ri – “O papel (no ‘Chapa Quente’) é bom. Faço o pai da Ingrid Guimarães, um político.” Ele fica no ar, gravando, até junho – são 18 episódios – e volta ao teatro em julho.

“Vou fazer meu primeiro monólogo. É o texto de um francês, que faz sucesso em Paris. Aborda o mercado de arte contemporânea.” O repórter aproveita para observar que assistiu a alguns capítulos de A Regra do Jogo, mas achou a nova associação de João Emanuel Carneiro com a diretora Amora Mautner – de Avenida Brasil – decepcionante. A exceção era o núcleo familiar de Marcos Caruso. Ele parecia estar tendo grande prazer em fazer o papel. “E tinha”, confessa, “mas o núcleo não se integrava muito na novela. Poderia ser levado para outra (novela)”, ele observa. De volta a O Escaravelho do Diabo, diz – “É sempre um risco criar um personagem que só existia no imaginário dos leitores. Cada um tinha o seu inspetor Pimentel, ao qual agora estou dando forma.” Marcos Caruso mal pode esperar pelo veredicto de seu filho.

Na trama do filme, o irmão mais velho de Alberto é assassinado depois de receber uma caixa com um escaravelho. O encarregado do crime é o inspetor Pimentel, que está sofrendo da síndrome de Levy – parente do mal de Alzheimer – e é afastado do caso. Alberto investiga e descobre o padrão que liga outros crimes cometidos na cidade. Alguém está matando os ruivos – quem e por quê? De uma cajadada, o diretor Milani mistura com eficiência o gênero de suspense, pouco presente na produção brasileira, e o filme para plateias infantojuvenis. “Não temos essa tradição e até por isso foi muito interessante de fazer. O personagem vive numa montanha-russa de emoção e só isso fornece ferramentas para o meu trabalho de ator, mas também há essa união de gêneros na mesma cesta, e, aí, fica mais estimulante ainda”, reflete Caruso. Comove o ator saber que o diretor, embora nunca lhe tenha dito isso, o chamou para substituir seu pai, o ator Francisco Milani, que morreu antes que o projeto saísse do papel.

O próprio Milani lamenta que a escritora Lúcia Machado de Almeida, que também morreu em 2005 – no mesmo ano de seu pai -, não tenha vivido para ver sua versão do Escaravelho. Aproveita para agradecer à família da autora. “Não interferiram em nada.” Diretor experiente de TV – novelas, BBB -, Carlo preparou-se para encarar o desafio do filme. Admite que o potencial comercial da empresa esteve sempre na mira. “A ideia visava ao mercado, na medida em que o próprio culto ao livro já potencializava o interesse pela transposição para outra mídia. Visando ao nosso público (infantojuvenil), deslocamos o protagonista, que passou a ser o irmão mais jovem e não o estudante de medicina. Também fizemos outras mudanças, que o leitor do livro vai identificar facilmente. A cantora de ópera virou pop, essas coisas.”

Milani conseguiu reunir um ótimo elenco – além do estreante Thiago Rosseti e do veterano Marcos Caruso, estão em cena Jonas Bloch, Selma Egrei, Lourenço Mutarelli. O garoto é ótimo, Caruso, idem, mas Mutarelli é um caso à parte. Como sabem os espectadores que o viram em O Cheiro do Ralo, Natimorto e Que Horas Ela Volta?, a especialidade do escritor é roubar a cena. E não é que ele o faz – de novo?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.