Poucas pessoas podem explicar tão bem como funciona a mente de um líder do século 20 como o britânico Ian Kershaw. Nascido em 1943, dois anos antes do fim da Segunda Guerra, ele é o autor de Hitler — Uma Biografia, publicação com mais de mil páginas que é considerada a obra definitiva sobre o ditador nazista. O historiador se debruçou agora sobre outros perfis semelhantes — se não em termos de maldade, ao menos nas altas doses de ambição e inteligência política.

Em Carisma e Poder — Líderes que Moldaram a Europa Moderna, Kershaw escreve sobre doze personalidades que marcaram nossa época:
Vladimir Lênin,
Joseph Stálin,
Mikhail Gorbachev,
Adolf Hitler,
Konrad Adenauer,
Helmut Kohl,
Winston Churchill,
Margaret Thatcher,
Benito Mussolini,
Josip Broz Tito,
Francisco Franco,
e Charles de Gaulle.

“Winston Churchill se projetava e era tratado não apenas como o herói da nação, mas como o grande salvador do Ocidente.”
Ian Kershaw, historiador

Cada capítulo inclui biografia, análise da personalidade e do legado regional e mundial. Segundo Kershaw, a maioria deles chegou ao poder em momentos de crise e foi capaz de usar o imaginário popular e o contexto político vigente para transformar sua agenda pessoal em uma ideologia legítima às suas nações.

“Cada um desses nomes tinha uma determinação extraordinária, força de caráter para superar adversidades, desejo de sucesso e um nível de egocentrismo acima da média, que exigia lealdade extrema e subordinava todos e tudo à realização de seus objetivos”, escreve o autor.

Kershaw também aponta diferenças entre tiranos e escolhidos pela população. Enquanto os autocratas se viam como figuras destinadas à grandeza, os democratas demonstraram talento excepcional para a negociação.

Carisma e poder: o perfil de 12 líderes que sacudiram a Europa moderna
Franciso Franco: salvar a Espanha era uma “missão divina” (Crédito:Roger-Viollet )

• Churchill é um caso emblemático. Nenhum democrata europeu exerceu mais poder do que o britânico entre 1940 e 1945. “Ele se projetava não apenas como o herói da nação, mas como o salvador da liberdade no Ocidente”, diz Kershaw.

A dinâmica de uma personalidade raramente foi elevada a um papel tão determinante na história — e tão positivo, no contraste com seu inimigo direto, Hitler. Sua carreira era um desastre antes de 1940, assim como também não foi nem sombra do auge no período pós-Guerra.

Churchill parece ter sido criado para liderar na adversidade, característica peculiar para um político tradicional como ele era.

Carisma e poder: o perfil de 12 líderes que sacudiram a Europa moderna
Margaret Thatcher e Mikhail Gorbachev: projeto de reconstrução do líder russo encontrou apoio nas democracias europeias e levou ao fim da União Soviética (Crédito:TASS / AFP)

Francisco Franco, ditador espanhol que assumiu o poder após a Guerra Civil de 1936, é visto como alguém sem a aparência de herói. Tinha baixa estatura (1,62m), era calvo, corpulento e com voz aguda que não inspirava respeito.

Não possuía poder algum sobre as massas até assumir o poder. Seu talento era unicamente militar, qualidade essencial num país fraturado por um conflito interno, como a Espanha.

Também contou com a sorte, uma vez que todos os seus possíveis rivais morreram ao longo do conflito. Franco “sobrou” — foi aí que passou a se ver como o designado por Deus para salvar sua pátria.

Cada um desses nomes tinha determinação extraordinária, força para superar as  adversidades e um nível de egocentrismo acima da média

• Mikahil Gorbachev veio de uma família pobre e chegou ao topo como representante de um sistema que privilegiava a burocracia. Mas por que mudou tanto após chegar ao poder? Teria reconhecido que a União Soviética estava no caminho errado? Ou apenas não teve força para frear a pressão externa sobre os países satélites que orbitavam a potência quebrada pela guerra fria? Um pouco dos dois, segundo Kershaw.

Gorbachev aliava enorme autoconfiança a um otimismo ingênuo, que o fazia acreditar em seu poder de persuasão para transformar o regime que precisava de reforma.

Era avesso ao planejamento estratégico e, em vez disso, “preferia deixar o processo se desenvolver”. Pois o desmonte da URSS, marcado pela glasnost (transparência) e a perestroika (reconstrução), termos que se tornaram populares no Ocidente, se tornou inevitável.

Para sacramentá-lo, veio um acelerador acidental: o desastre nuclear na usina de Tchernóbil, em abril de 1986. O fato “lançou luz sobre os muitos males do sistema como um todo”, definiu o ex-presidente soviético, que depois foi agraciado com o Nobel da Paz.

A obra de Kershaw traz um componente didático para o mundo atual. Embora não seja possível reproduzir os cenários geopolíticos, o autor demonstra a importância de analisarmos os processos de ascensão desses líderes para compreender melhor as autocracias contemporâneas vistas em países como Hungria, Rússia e China — e, assim, evitarmos os erros do século 20.