Ora intencional, ora aleatória, a profusão de restaurantes em construções que marcaram outras décadas é evidente, e a chegada de novos e renomados chefs do térreo ao topo (ou rooftop) dos edifícios simbolizam permanência, mas também mudança. Ao mesmo tempo em que a convivência com a arquitetura típica pode estimular a criatividade do serviço, a inserção de estabelecimentos transforma ambientes e traz contemporaneidade a espaços mais datados.

Desde a última quinta-feira, 8, o italiano Tappo, fechado na pandemia, voltou à ativa no térreo do Edifício Paquita, em São Paulo, marco arquitetônico construído entre 1952 e 1959 pelo arquiteto Alfred Düntuch.

Ainda que a escolha tenha mais a ver com a intimidade dos sócios com o bairro de Higienópolis, onde há mais de duas décadas mantêm o Ici Bistro, eles confirmam que a ocupação do residencial histórico colabora para a experiência do cliente. “Quando se leva um prato do restaurante para comer em casa, até o sabor muda”, compara o chef Benny Novak. “Faz parte do conceito de hospitalidade. A temperatura do ar, a música, a luz, o serviço do garçom: tudo é trabalhado para que a pessoa, mesmo sem entender o motivo, saia satisfeita”, diz o sócio Renato Ades.

• Inserido no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, fundado em 1989 dentro do prédio de 1906, o Lilia Bistrô tem inspiração na culinária do mesmo período do edifício neoclássico. “O cardápio tem uma inspiração mais clássica francesa, de bistrô. Tudo no espaço foi pensado de acordo com a estrutura do centro cultural: desde os talheres de prata até as toalhas brancas e os guardanapos, que são de linho”, diz o chef João Victor de Souza Vianna. “Com um toque brasileiro”, ressalta.

Cardápio pra viagem (no tempo): conheça restaurantes que ocupam locais históricos
João Victor de Souza Vianna, chef: Lilia Bistrô no CCBB (prédio de 1906), no Rio de Janeiro (Crédito: André Lessa)

O tempo passa

• No centro da capital paulista, após passar por retrofit executado pela Metaforma, o novo projeto do Edifício 7 de Abril une seu estilo original Art Déco à arquitetura contemporânea. Idealizado em 1939 pelo arquiteto Ramos de Azevedo para abrigar a história da telecomunicação nacional, receberá em breve o complexo gastronômico de hospitalidade e cultura Ramal. “O empreendimento contará com elementos da época áurea da telefonia resgatados pela incorporadora”, diz Rosa Moraes, curadora gastronômica ao lado de Katherina Cordás: “Teremos operadores que trarão à tona ingredientes e receitas de diferentes culturas que se apresentam em São Paulo, em formas tradicionais e revisitadas”.

• No Copan, a presença de comércios e restaurantes 70 anos após o projeto inicial de Oscar Niemeyer reitera a predisposição do prédio. “O Niemeyer tinha a intenção de deixar suas obras mais democráticas, então ter um térreo ativo conversa com a rua”, diz a chef Bel Coelho.

• No Cuia, ela realiza uma gastronomia internacional com ingredientes brasileiros, em harmonia com o movimento modernista que inspirou o arquiteto. Para receber o restaurante, o local pouco sofreu intervenção, mantendo os pilares de concreto e os grandes vidros da época da fundação.

• Também em São Paulo, para atingir o último andar do Shopping Light, os clientes do Notiê e do Abaru, sob o comando do chef Onildo Rocha, encaram um elevador de quase 100 anos e, da varanda, podem observar uma construção ainda mais antiga que a ex-sede da empresa de Energia Light, de 1929: o Theatro Municipal, erguido em 1903.

Em local próximo, o espaço de shows Casa de Francisca, localizado no Palacete Tereza (tombado, de 1910), que já abriga um restaurante, está prestes a abrir um cine-teatro no porão e um bar no térreo, o Largo.

• Em Belo Horizonte, o Edifício Maletta, de 1957, abriga uma série de bares, cafés e restaurantes, entre outros comércios, e se tornou ponto de encontro na cidade. “A experiência do cliente é subjetiva, mas a arquitetura contribui demais”, diz a chef Bel Coelho.

Cardápio pra viagem (no tempo): conheça restaurantes que ocupam locais históricos
Bel Coelho, chef: culinária brasileira no Cuia, que fica dentro do Copan (1954), na capital paulista (Crédito:Andre Lessa)