Chico estava sério enquanto recebia as felicitações dos filhos e da mãe pelo aniversário, na quarta-feira da semana retrasada, dia 20. Há 24 anos que as comemorações não conseguem sobrepor a angústia das lembranças de amigos que morreram no dia 2 de outubro de 1992, no massacre do Carandiru. Foram Claudião, Gringo e Lajoza os responsáveis por animá-lo na cela do terceiro andar da Casa de Detenção quando completou 38 anos. Mesmo agora, com 62, a lembrança dos corpos dos três ensaguentados ainda assombra o ex-detento.

Francisco Carlos Pinto dos Santos soube pelo noticiário da tevê da decisão da 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo que, na terça-feira passada, anulou as condenações contra 74 policiais militares envolvidos na ocorrência que deixou 111 mortos. Tentou acompanhar em 2014 um dos júris dos agentes, mas disse ter deixado o ambiente por discordar de parte dos relatos. Voltou para ouvir a sentença de condenação, mas pouco tempo depois começou a carregar um sentimento de insatisfação que foi potencializado na semana passada.

“Ali teve gente que foi condenada a 600 anos, mas quando acabou estava na padaria da esquina tomando café e dando risada. Como as pessoas entram num local, matam sumariamente, recebem uma condenação e vão para casa como se nada tivesse acontecido?”, disse. “Daí chega essa semana e o juiz (desembargador) toma aquela decisão infeliz e anula o que já não valia nada. É de deixar muito triste mesmo.”

Chico passou 12 dos 16 anos de prisão no Carandiru, na zona norte de São Paulo. Sempre no terceiro andar do pavilhão 9, onde chegou após envolvimentos sucessivos em casos de roubos a bancos, joalherias e outros estabelecimentos comerciais. Em 1992, gozava de relativo poder de liderança no setor dada a experiência em lidar com os carcereiros.

Mesmo assim, não conseguiu evitar que uma briga entre dois detentos escalasse para um motim, do qual se seguiu a intervenção violenta da Polícia Militar.

Do dia do massacre, guarda, além de críticas à atuação da corporação, duas cicatrizes em cada um dos joelhos formadas por tiros disparados pelos agentes. “Juntei uns 50 colegas para ir para uma cela só porque imaginei que eles não matariam todo mundo lá. Apanhamos muito e os PMs mandaram a gente descer para o 2.º andar enquanto atiravam e acabei atingido”, lembra. Na queda para o andar inferior, fingiu-se de morto para não correr mais riscos. “Foi uma ação desastrosa. No entendimento de quem ficou vivo, eles entraram para matar, não para conter.”

Carreira. Da Casa de Detenção passou pelo interior antes de conseguir a liberdade, em 1997. Em 2002, prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ingressou em uma faculdade privada no ano seguinte. Sobre o curso escolhido, tem a resposta decorada na ponta da língua: “Sempre fiz tudo torto, errado, agora, tinha de fazer Direito.”

Formou-se, mas o trabalho e a necessidade de cuidar da mãe o afastou da prática. Atualmente desempregado, tenta retornar e passar no exame da Ordem, que já prestou duas vezes. Na mesa da sala, guarda uma foto feita com o ministro José Antonio Dias Toffoli e o sonho de seguir a carreira na área. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.