Colunas e nuvens de fumaça invadem as ruas desertas de Hlaing Tharyar, um subúrbio industrial de Yangon tomado pelo caos, enquanto as forças de segurança ateavam fogo em casas e disparavam contra manifestantes desarmados.
Soldados e policiais isolaram nesta quarta-feira(17) o distrito que tem sido palco de confrontos violentos há quatro dias, com dezenas de manifestantes mortos.
Os agentes revistam sistematicamente motocicletas e veículos que ainda ousam circular apesar da imposição da lei marcial, e ameaçam as pessoas de “atirar” nelas, disse à AFP um estudante de medicina, morador do bairro.
“Se eles encontrarem algo relacionado à política, o menor sinal de pertencimento ao movimento de desobediência civil nos prendem imediatamente”, acrescenta.
Os moradores disseram ter ouvido “tiros implacáveis” e a mídia local transmitiu imagens de casas incendiadas pelas forças de segurança.
Hlaing Tharyar era um distrito tranquilo antes do golpe de 1º de fevereiro, que derrubou o governo civil de Aung San Suu Kyi: trabalhadores pobres de todo o país haviam se mudado para lá para trabalhar em uma de suas muitas fábricas têxteis.
– “Zona de guerra” –
Seis semanas depois, este subúrbio foi transformado em “uma zona de guerra urbana”, lamenta Debbie Stothard da Federação Internacional para os Direitos Humanos (FIDH).
Hlaing Tharyar mergulhou no caos no domingo: cerca de 30 fábricas de propriedade de chineses foram incendiadas, de acordo com o jornal nacionalista pró-Pequim Global Times, irritando a capital do gigante asiático.
A origem desses ataques não foi identificada, mas o ressentimento contra a China se intensificou desde o golpe, já que muitos manifestantes acreditam que ela é conivente com os generais golpistas.
Pouco depois do início dos incêndios, as forças de segurança se mobilizaram em grande número e abriram fogo, matando várias dezenas de manifestantes.
A lei marcial foi imposta em várias partes do país e, na segunda-feira, centenas de habitantes fugiram, guardando seus pertences e animais de estimação em caminhões, tuk-tuks, rústicos veículos de três rodas ou bicicletas.
Na terça à noite, os manifestantes acamparam em uma ponte e bloquearam as principais ruas do bairro. Eles ergueram barricadas com pneus velhos, pranchas de madeira, sacos de areia e varas de bambu.
Algumas foram incendiadas pelas forças de segurança, fazendo com que uma densa fumaça negra invadisse as ruas, quase todas vazias. Não muito longe dali, manifestantes, protegendo-se com escudos improvisados, jogaram coquetéis molotov contra a polícia e os militares.
“Muitas pessoas foram presas nos últimos dias no distrito”, disse Stothard. “Eles estão proibidos de se reunir com suas famílias e representantes legais. Ninguém sabe onde muitos deles estão detidos”, lamenta a Associação de Assistência a Presos Políticos (AAPP), enquanto o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos denuncia “desaparecimentos forçados”.
Na noite desta quarta-feira, ainda era difícil obter informações sobre o que estava acontecendo e o bairro permaneceu totalmente isolado e com conexões de internet móvel bloqueadas.
A ONU denunciou um “banho de sangue” e prováveis crimes contra a humanidade. Mais de 200 civis morreram desde o golpe e quase 2.200 foram presos.
Domingo foi o dia mais mortal, com 74 manifestantes mortos a tiros, a maioria em Hlaing Tharyar.