A lendária cantora brasileira Elza Soares morreu nesta quinta-feira(20) aos 91 anos em sua casa no Rio de Janeiro, após uma carreira de mais de seis décadas e uma vida “incrível” cheia de adversidades.

“É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos (…) em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais”, informa o comunicado divulgado em sua conta no Instagram.

Com uma carreira eclética que começou na década de 1960 e inclui mais de 30 álbuns, Soares, uma diva negra de voz rouca inconfundível, é um dos maiores nomes da arte brasileira.

“Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora, eleita como a Voz do Milênio, teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, força e determinação”, destaca o comunicado.

Logo após o anúncio de sua morte, inúmeras mensagens de pêsames surgiram nas redes sociais além de homenagens a esta figura, facilmente reconhecível por sua maquiagem dramática, perucas enormes e saltos altos, que em 1999 a BBC consagrou como “cantora brasileira do milênio”.

“Descanse em paz, Elza Soares. O mundo do samba, e de toda música brasileira, agradece e te reverencia por sua vida e sua arte”, escreveu Zeca Pagodinho no Instagram.

Desafiadora e altiva, foi elogiada nos palcos do mundo e considerada referência na luta feminista e contra o racismo.

Elza passou pelos mais diversos ambientes, desde seu início precário no Rio de Janeiro, onde cresceu, até palcos e casas de shows ao redor do mundo; do exílio na Itália, com o então marido, o jogador de futebol Mané Garrincha, durante a ditadura militar, à Mocidade Independente de Padre Miguel, sua escola de samba.

Samba, jazz, funk, hip hop, bossa nova e até rock se encaixam na voz de Soares, que deixa momentos inesquecíveis na história da música brasileira, como a gravação, em 1984, de “Língua”, com Caetano Veloso, ou o hino nacional cantado na abertura dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007.

– Símbolo de resistência

A vida golpeou Elza Gomes da Conceição repetidas vezes, mas também fez dela um símbolo de resistência e coragem e, em seus últimos anos, uma figura de culto.

Filha de um operário e uma lavadeira, Elza nasceu em junho de 1930, no Rio de Janeiro, e cresceu na favela de Moça Bonita. Seu pai a obrigou a se casar aos 12 anos, e, um ano depois, nasceu seu primeiro filho.

Com o primeiro marido, Elza teve sete filhos, mas os dois primeiros, prematuros e desnutridos, morreram muito pequenos. Ela confessou que chegou a roubar comida para alimentá-los. Aos 21 anos, já era viúva.

Elza Soares foi casada por 17 anos com o jogador de futebol Garrincha, herói das conquistas das Copas do Mundo de 1958 e 1962, com quem teve uma relação tempestuosa e violenta.

Garrincha “foi meu maior amor, ainda é”, confidenciou em entrevista à AFP em 2017 em Nova York, em seu show “A mulher do fim do mundo”, uma espécie de samba futurista que combina eletrônica, art-rock e rap, em que cantou sentada devido a várias cirurgias na coluna.

Com Garrincha, que morreria de cirrose aos 49 anos também no dia 20 de janeiro, Soares adotou uma menina e teve um filho, apelidado de “Garrinchinha”, que morreu aos nove anos em um acidente de carro, quando ia visitar a sepultura de seu pai.

A mãe de Soares também morreu em um acidente de carro e muito mais tarde, em 2015, a cantora voltaria a sentir a dor de perder um filho, Gilson, aos 59 anos por conta de uma infecção urinária.

– “Um saxofone na garganta” –

No início de sua carreira, especulou-se que seu tom rouco era devido a uma anomalia.

“Diziam isso, mas ninguém tem uma corda vocal a mais, é uma coisa meio louca. Ela é torta, acho que ela entorta, como na minha vida tudo começa torto mesmo, até foi escrito por pernas tortas”, brincou em um entrevista na televisão em 2002, em referência às pernas de Garrincha.

Na Copa do Mundo de 1962 no Chile, da qual Soares foi madrinha, ela teve “um encontro maravilhoso” com o trompetista e cantor de jazz americano Louis Armstrong.

Reza a lenda que Armstrong, impressionado com a sua voz, disse que Soares escondia “um saxofone na garganta”.