Câncer na nova geração: Paulo Hoff alerta para riscos modernos e tratamentos

O câncer, uma das doenças mais temidas e complexas da medicina, está passando por uma mudança silenciosa e preocupante: está atingindo cada vez mais pessoas jovens, abaixo dos 50 anos. Esse fenômeno, observado em países de todo o mundo, tem gerado inquietação entre cientistas e profissionais da saúde.

Em entrevista exclusiva à IstoÉ Saúde, o oncologista Dr. Paulo Hoff – presidente de Oncologia da Rede D’Or, professor titular da USP e membro da Academia Nacional de Medicina – compartilhou reflexões sobre os desafios atuais da oncologia, a importância da prevenção e os avanços tecnológicos que estão transformando o tratamento da doença.

Nova geração, novos riscos

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Brasil deve registrar mais de 700 mil novos casos de câncer em 2025, um aumento expressivo em relação aos 400 mil a 500 mil casos anuais contabilizados em 2010. O que mais preocupa, no entanto, é que tumores tradicionalmente mais comuns em pessoas idosas agora têm aparecido em pacientes jovens.

“Diversos tipos de tumores tiveram sua incidência aumentada entre os jovens, alguns dramaticamente, como o câncer de intestino. Vemos mudanças no estilo de vida, na dieta e no sedentarismo como fatores importantes, mas também existem hipóteses sobre o papel da poluição, microplásticos e alterações na microbiota intestinal”, explica o especialista.

Pesquisas recentes, inclusive com participação de cientistas brasileiros, apontam que o desequilíbrio na microbiota intestinal – o conjunto de trilhões de bactérias que habitam o nosso corpo – pode estar ligado a processos inflamatórios que aumentam o risco de câncer.
“Nosso intestino é como um segundo cérebro. Hoje, em muitos estudos clínicos, já coletamos amostras de fezes para entender como essas bactérias interagem com nosso organismo e influenciam o surgimento de tumores”, revela Hoff.

O peso dos hábitos modernos

Se por um lado o tabagismo caiu significativamente no país graças a campanhas de conscientização, por outro, os cânceres relacionados à obesidade têm crescido de forma alarmante. A má alimentação, o sedentarismo e os distúrbios metabólicos passaram a ocupar o espaço antes dominado pelo cigarro como grandes vilões modernos.

“O que vemos hoje é uma substituição de causas. O cigarro está em queda, mas os tumores ligados à obesidade estão aumentando de forma assustadora. É uma mudança de perfil que precisa ser enfrentada com políticas públicas e conscientização”, alerta o médico.

Esse cenário reforça a importância da prevenção, que inclui alimentação equilibrada, atividade física regular, sono adequado e vacinação, como a do HPV, disponível gratuitamente no SUS. O vírus está associado a vários tipos de câncer, incluindo colo de útero, garganta e boca, mas a adesão à vacina ainda é baixa.
“Metade dos tumores de cabeça e pescoço no Brasil estão relacionados ao HPV. A vacinação poderia reduzir muito esses números”, destaca.

Avanços que mudam vidas

Apesar do aumento nos diagnósticos, Hoff ressalta que a chance de cura do câncer nunca foi tão alta. Nos Estados Unidos, cerca de 70% dos pacientes diagnosticados são curados. No Brasil, mesmo dentro do SUS, mais da metade dos pacientes consegue eliminar a doença, principalmente quando o diagnóstico é precoce.

Um dos grandes avanços da última década é a imunoterapia, que estimula o próprio sistema imunológico do paciente a combater as células tumorais.
“Tradicionalmente, usamos cirurgia, radioterapia e quimioterapia, sempre agindo diretamente sobre o tumor. A imunoterapia é diferente: ela ensina o sistema de defesa do corpo a atacar o câncer. É uma abordagem mais inteligente e fisiológica”, explica.

Hoje, cerca de 10% dos pacientes têm perfil para esse tratamento, mas a meta da ciência é expandir esse benefício para a maioria dos casos.

Quebrando mitos: câncer não é sentença de morte

Um dos maiores obstáculos para o diagnóstico precoce ainda é o medo. Muitas pessoas, diante de sintomas suspeitos, evitam buscar ajuda por acreditarem que câncer é sempre incurável.

“Esse mito atrapalha muito. Quanto mais cedo você procurar assistência médica, maiores as chances de cura. Mesmo no Brasil, dentro do SUS, mais da metade dos pacientes diagnosticados consegue se curar. O câncer é uma doença grave, sim, mas não é uma sentença de morte”, reforça Hoff.

Essa mensagem, segundo ele, precisa ser disseminada para que a população compreenda a importância da prevenção e do diagnóstico precoce.

O futuro da oncologia

Com a medicina de precisão, a tendência é que cada tumor seja tratado de forma personalizada, de acordo com suas características moleculares.
“Câncer não é uma doença única. É um grupo de doenças que se manifestam de formas diferentes. Por isso, o futuro está na personalização do tratamento. Vamos curar cada vez mais pacientes e, quando não for possível curar, vamos oferecer qualidade e expectativa de vida muito superiores às de hoje”, projeta o oncologista.

Diante dos números crescentes e das transformações no perfil da doença, a fala do Dr. Paulo Hoff é um convite à reflexão: cuidar da saúde hoje é o maior investimento para o futuro.

“Podemos não ter controle sobre todos os fatores, mas temos muito poder sobre os nossos hábitos. Vacinação, dieta equilibrada, atividade física e consultas preventivas são nossas armas mais eficazes contra o câncer.”