Câncer de próstata: caso de Joe Biden reacende debate sobre prevenção e tratamentos

Doença é a mais comum entre enfermidades que acometem os homens; os casos avançados com metástase óssea, como do ex-presidente americano, costumam responder bem a terapias hormonais

O ex-presidente dos Estados Unidos Joe Biden disse que estava decepcionado, mas não surpreso com a derrota de Kamala Harris nas eleições presidenciais de 2024 para Donald Trump - GETTY IMAGES/AFP
Foto: AFP

O diagnóstico recente de câncer de próstata no ex-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, jogou luz sobre um dos tipos de tumor mais prevalentes entre os homens no mundo e no País. O câncer de próstata representa 29% de todos os casos de câncer no sexo masculino no Brasil, com aproximadamente 66 mil novos diagnósticos e quase 16 mil mortes por ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).

A doença é responsável por 10% das mortes em pacientes homens no País. No mundo, é o quarto tipo de câncer mais incidente, representando 7,3% do total de novos casos, atrás dos cânceres de pulmão (12,4%), mama (11,6%), colorretal (9,6%), e à frente de câncer de estômago (4,9%).

Na maioria dos casos, o câncer de próstata apresenta evolução lenta e bons índices de controle quando diagnosticado precocemente. A realidade dos tratamentos tem passado por transformações significativas — especialmente nos casos mais avançados. Segundo o diretor da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), dr. André Deeke Sasse, oncologista clínico especializado em tumores geniturinários, a doença metastática é sensível à hormonioterapia, com prognóstico razoavelmente bom, expectativas de respostas de longa duração.

Ele ressalva que, nesses casos, o tratamento é permanente. “Não podemos comentar especificamente o prognóstico do ex-presidente John Biden, porque não temos acesso aos detalhes , como biópsia e o quadro clínico. No geral, pacientes têm uma expectativa de vida longa. Quase sempre, isso significa alguns anos de controle da doença com tratamentos que interferem pouco na qualidade de vida, mas necessitam logicamente de uma avaliação intensa, em especial no começo do tratamento para verificar se a estratégia está funcionando”, diz o diretor da SBOC. “Monitorização e controle no curto prazo são muito importantes.”

Sasse explica que as células do câncer de próstata geralmente são sensíveis à testosterona. A testosterona funciona como um combustível, que sinaliza que a célula deve crescer e proliferar. “Nessa fase, realizamos um tratamento que diminui a testosterona do homem, chamado de supressão hormonal. É um medicamento que faz os níveis no sangue da testosterona caírem”. explica. “Os tratamentos são menos agressivos e adoença é controlável por mais tempo, diferentemente de quando é necessária a utilização de quimioterapia ou terapias mais agressivas.”

Muitas vezes, a terapia é associada a outros tratamentos hormonais, como inibidores da produção de testosterona ou um inibidor do receptor de testosterona das células. “O objetivo  éatingir as células que são dependentes de testosterona. Os efeitos colaterais são brandos, poucos esperados,  resposta imediata e expectativa de controle da doença.

Prevenção e diagnóstico precoce
O panorama global tem desafios. Em muitos países, o diagnóstico ainda ocorre em fases avançadas, e há desigualdades marcantes no acesso a tratamentos modernos. No Brasil, a heterogeneidade do sistema de saúde e a falta de rastreamento organizado dificultam a detecção precoce, especialmente nas regiões mais vulneráveis. O especialista enfatiza que, se diagnosticada precocemente com exames periódicos preventivos como o toque retal – procedimento que dura sete segundos -, a doença tem mais de 90% de chances de cura, geralmente com cirurgia ou radioterapia.

Um dos principais obstáculos na prevenção e detecção desse tumor, e de outros que afetam apenas a população do gênero masculino, é exatamente a falta de informação e, em muitos casos, o preconceito . “A mensagem mais importante é que os exames de rastreio são uma ferramenta poderosa para o diagnóstico precoce e que o câncer de próstata tem tratamento e controle. Cada vez mais, a ciência aponta para caminhos mais eficazes e personalizados na linha de cuidado.”

Novas estratégias
Sasse comenta a chamada desintensificação terapêutica. A estratégia propõe regimes menos agressivos para determinados pacientes com câncer de próstata avançado, sem comprometer os resultados clínicos. “Estamos vivendo uma era de personalização do cuidado. A hormonioterapia intermitente, por exemplo, permite que o paciente faça pausas no tratamento, o que pode reduzir efeitos colaterais e preservar sua qualidade de vida”, explica.

Segundo o oncologista, essa abordagem já é respaldada por estudos internacionais e começa a ganhar força no Brasil. Pesquisas como o ensaio EORTC 2238 De-Escalate, publicado na revista Frontiers in Oncology, apontam que estratégias como a terapia hormonal em ciclos podem manter o controle da doença com menor impacto na saúde geral dos pacientes. “Essa ‘desintoxicação’ periódica do tratamento pode também ter reflexos positivos em custos e adesão”, acrescenta Sasse.

Evolução dos fármacos
Além da desintensificação, novas drogas e tecnologias estão ampliando o arsenal terapêutico. Nos últimos anos, o tratamento do câncer de próstata avançado passou por uma evolução, com a chegada de terapias mais individualizadas, que agem de forma direcionada às características biológicas do tumor. Entre essas inovações estão os radiofármacos, como o Radium-223 e o Lutécio-177-PSMA, que combina a especificidade de um alvo molecular com a capacidade de destruir células tumorais por meio da radiação.

Estudos como o VISION Trial, publicado no New England Journal of Medicine, demonstraram benefícios importantes em sobrevida e qualidade de vida com esse tipo de estratégia em pacientes que falharam a terapias hormonais.

Outro avanço relevante envolve o uso de terapias-alvo baseadas em biomarcadores genéticos, como mutações em genes de reparo de DNA, especialmente BRCA1 e BRCA2.

Nessas situações, medicamentos como os inibidores de PARP (como olaparibe e rucaparibe) têm mostrado impacto em controle de doença e de sintomas, e estão hoje aprovados em diversos países, inclusive no Brasil, para um subgrupo de pacientes com doença metastática e alterações genéticas específicas.

Esses tratamentos representam um novo paradigma, e entender o perfil molecular do tumor se tornou essencial para oferecer terapias mais eficazes, com menos efeitos colaterais e potencial de ganho real em expectativa de vida. Para isso, testes genéticos e acesso a plataformas de diagnóstico molecular tornaram-se ferramentas centrais na personalização do cuidado.

“A SBOC defende políticas públicas que ampliem o acesso a exames, à biópsia e ao tratamento oncológico de qualidade, com foco na equidade. Além disso, é urgente fortalecer a formação dos profissionais da atenção primária, que estão na linha de frente do diagnóstico precoce”, ressalta o oncologista.“ Chamamos atenção para a  importância da vigilância constante e do diagnóstico precoce. Ao mesmo tempo, reforçamos o debate global sobre como podemos tratar o câncer de próstata com mais eficácia e menos toxicidade.”