Faz algumas semanas, Nelson Piquet foi cancelado.

Coroando uma carreira de anos emitindo comentários de gosto e educação duvidosos, Piquet disparou uma frase racista contra Lewis Hamilton e o inglês, como não poderia deixar de ser, expôs as palavras de Piquet a todo o mundo.

E, as pessoas, também como não poderia deixar de ser, cancelaram Piquet.

Cancelar equivale a tirar o megafone da internet daqueles que emitem comentários racistas, homofóbicos, machistas e por aí vai.

É a resposta democrática da internet para aqueles que não sabem utilizar o espaço que têm ou que não se preocupam em guardar para si seus pensamentos nefastos.

Ser cancelado não é coisa pouca, apesar de parecer uma bobagem.

Há quatro anos, apesar de estar longe de ser uma celebridade e não ter sido “cancelado”, senti na pele os efeitos de não ser capaz de falar nas redes sociais.

Isso aconteceu quando meu terceiro livro (à venda nas melhores livrarias do ramo, enquanto ainda existem livrarias), foi lançado numa quarta-feira, em 2018, três dias depois do domingo no qual Bolsonaro foi escolhido presidente.

Na sexta-feira que antecedeu a votação, depois de meses alertando nas redes sociais dos perigos de ter alguém como ele na Presidência, mudei de estratégia.

Ao invés de criar textos novos, passei a véspera da eleição repostando frases famosas do então candidato.

Aquelas que todo mundo conhece, do tipo: “Tinha que matar uns trinta mil, começando pelo FHC”.

O bloqueio nas redes pode ser mais uma arma contra quem usa a internet para difundir o caos

Em poucas horas, o Facebook bloqueou minha conta por discurso de ódio.

Às vésperas do lançamento do livro, fui bloqueado porque o algoritmo imaginou que aquelas frases eram de minha autoria.

Ou porque muitos seguidores do presidente resolveram reclamar, nunca vou saber.

Não fui exatamente “cancelado”, mas fui impedido de divulgar o evento e o lançamento do livro foi para o vinagre.

Ser cancelado pode parecer uma bobagem para gente como nós, mas para quem deseja, ou precisa ser ouvido, pode trazer consequências catastróficas, veja o caso do Monark, por exemplo.Da noite para o dia perder milhões de seguidores não é fácil.

Para políticos, então, é ainda pior, pergunte para o Arthur do Val.

Por tudo isso, é curioso que alguém tão conhecido, que precisa e utiliza tanto a internet, como nosso presidente, jamais tenha sido cancelado.

E, convenhamos, não faltou motivo.

Quando o assunto é preconceito, seja de cor, raça, gênero, religião, não existe balança para pesar a gravidade ou comparar o valor de uma frase versus outra.

Mas, sem dúvida, nosso mandatário emitiu uma quantidade astronomicamente maior do que qualquer outro cancelado famoso de frases com conteúdo terrível. Doses sem precedente de ódio contra pretos, indígenas, quilombolas, homossexuais, mulheres e quem mais você quiser apontar.

Me pergunto o porquê de não ter sofrido as mesmas consequências de Piquet, Monark ou Arthur do Val.

Não deve ser porque Bolsonaro é poderoso.

Afinal essa invenção das novas gerações não se submete às regras do poder.

Qualquer um pode ser cancelado, exatamente porque é a mão invisível da internet quem impõe o julgamento.

Agora vem chegando mais uma eleição.

Enquanto Bolsonaro e vozes do Planalto falam claramente sobre tumultuar as ruas no dia Sete de Setembro, para quem sabe, inviabilizar a eleição, esse tal de cancelamento ganha ainda maior importância.

O cancelamento de qualquer político que se atreva a ameaçar a democracia que conquistamos muito antes de existir a rede mundial de computadores, pode ser uma bobagem, mas é mais uma ferramenta para silenciar quem não sabe o que diz, para quem divulga o ódio e o caos social.

E, principalmente, para quem sabe exatamente o que diz e aquilo que diz põe em risco o que temos de mais importante.

Quem sabe nesses próximos meses o botão de cancelamento esteja na ponta dos dedos de todos os brasileiros. Para ajudar a garantir que a tecla das urnas também possa estar.