Pela primeira vez na história recente, a sabatina do presidente do Banco Central não se tornou um bate-boca entre senadores sobre questões que de fato fazem parte das diretrizes da autoridade monetária. A ressalva ficou por conta de juros no cartão de crédito, da concentração e da concorrência bancária. Com a Selic no menor patamar da série (6,5% ao ano), inflação sob controle, estoque alto de reservas internacionais (US$ 378 bilhões) e dívida externa baixa, o economista Roberto Campos Neto foi aprovado por unanimidade pelos senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, que fizeram questão de ressaltar o trabalho de seu avô, o ex-ministro e economista Roberto Campos.

Na defesa do sistema financeiro, ele admitiu o alto nível de concentração bancária, mas apostou que as novas tecnologias serão fundamentais para o aumento da concorrência e redução de juros e spread bancário. Também foi elogiado pelos senadores ao qualificar o momento atual do País como “especial” e citar a necessidade de reformas.

Um dos pontos principais de seu discurso, destacado por senadores, como Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) foi a frase: “Precisamos empregar essa oportunidade na criação de uma cultura em que haja mais empreendedores e menos atravessadores.”

Na sabatina, Campos Neto foi questionado sobre o baixo crescimento do País, mesmo com a Selic no piso histórico. Em resposta aos senadores, ele disse: “A coisa mais importante para o crescimento é a estabilidade de preços”. “Nos países onde se sacrificou inflação por crescimento, a expansão da atividade durou pouco e depois houve recessão. Isso aconteceu também no Brasil”, acrescentou, em discurso indicando continuidade das políticas atuais do BC.

Ao mesmo tempo, Campos Neto reconheceu que o setor bancário no Brasil é concentrado, mas alegou que ainda assim existe competição. “Precisamos distinguir competição e concentração. Na crise de 2008, vários países aceitaram uma troca de mais concentração por mais segurança”, afirmou. “Vários governos estimularam isso no sentido de um sistema mais concentrado, porém mais sólido.”

Apesar do crescimento do lucro dos bancos, ele observou que, nos últimos anos, “a rentabilidade tem caído”. “Não se pode confundir lucro com rentabilidade”, acrescentou. “É preciso olhar o retorno sobre o capital empregado. O retorno dos bancos já foi maior que 19%, caiu para 12%, e agora voltou para algo em torno de 15%. Apesar dos lucros maiores, a rentabilidade ainda está longe do máximo.”

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Ao mesmo tempo, Campos Neto sinalizou em vários momentos da sabatina a intenção de estimular as novas tecnologias no setor financeiro, como forma de intensificar a concorrência no mercado financeiro. “O maior instrumento democratizante do século está aqui (mostrou o celular), a tecnologia. É importante os senadores entenderem que, se há estímulo à tecnologia, e intermediação grande, a tecnologia será a maior plataforma para desintermediação.”

Campos Neto lembrou que o mercado de fintechs – empresas de tecnologias que atuam no setor financeiro – praticamente não existia há dois anos. “E hoje já são mais de 300 empresas. Imagine daqui a dois anos; isso é exponencial”, afirmou aos senadores. “Esse aumento da competição já está acontecendo, e temos que monitorar para que esse processo seja feito de forma saudável.”

Os comentários estão em sintonia com as experiências profissionais do próprio Campos Neto na iniciativa privada. No banco Santander, o economista iniciou um projeto global de inovação tecnológica e fez parte do grupo responsável pelo banco digital da instituição. Ao apresentar seu currículo ao Senado, ele disse que tem se dedicado “intensamente” ao desenho de como será o sistema financeiro no futuro, tendo participado de estudos ligados ao blockchain e aos ativos digitais.

Subsídios

Questionado por senadores a respeito de subsídios concedidos pelo governo – algo que vem sendo criticado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes – Campos Neto afirmou que o governo não é contra estes instrumentos, mas sim contra a falta de transparência.

“É importante que os subsídios sejam transparentes e mensurados, e que se mostre para a sociedade qual é o retorno deles”, disse o presidente indicado do BC. “A rede de subsídios foi feita com os juros em 14%, mas hoje estão em 6,5%. Gostaríamos de reavaliar os subsídios justamente para colocar mais recursos onde é mais necessário.”

Durante a sabatina, o presidente da CAE, senador Omar Aziz (PSD-AM), fez uma intervenção defendendo a importância dos subsídios para as regiões menos favorecidas do País e criticou a política do BNDES para concessões de crédito subsidiado apenas para as grandes companhias. “Subsídio não é esmola”, defendeu.

Em outro momento, a sabatina se transformou em um palco para que senadores criticassem e defendessem a proposta de reforma da Previdência, encaminhada recentemente pelo governo ao Congresso.

O nome de Campos Neto foi aprovado pela CAE para a presidência do BC, por 26 voto a 0. Também passaram pela sabatina, pelo mesmo placar, Bruno Serra Fernandes, que ocupará a Diretoria de Política Monetária, e João Manoel Pinho de Mello, que será o titular da Diretoria de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC. A expectativa agora é de que o plenário do Senado aprove os três nomes ainda nesta terça.


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