“Eu sou campeã olímpica”. Assim que deixou o tatame, Beatriz Souza, às lágrimas, mal conseguia acreditar no que acabara de realizar em Paris. Uma semana depois do início dos Jogos Olímpicos, o Brasil conquistou sua primeira medalha de ouro pelas mãos da estreante em uma Olimpíada. Quinta do ranking mundial, a brasileira de 26 anos viu favoritos da modalidade caírem ao longo dos últimos dias, antes de viver seu sonho em Paris e quebrar o jejum que o judô vivia desde 2016.

Em Tóquio, em 2021, nenhum judoca chegou ao topo do pódio na modalidade. Até esta sexta-feira, o cenário parecia se repetir. Bia deixou sua família no Brasil para competir, sozinha, em Paris. “Deu certo, pelo visto eles não virão na próxima Olimpíada”, disse a judoca, ainda emocionada, na Arena de Marte. A conquista transforma o judô, com Bia, Sarah Menezes e Rafaela Silva, na modalidade feminina que mais rendeu medalhas de ouro ao Brasil.

Bia perdeu recentemente a avó, de quem era próxima, e dedicou a medalha de ouro para ela. “Deu certo, mãe, eu consegui, eu consegui, eu consegui! Foi pela vó, eu amo vocês mais que tudo, eu amo vocês”, repetiu a atleta. “Eu só fiz o que a gente vinha treinando todos os dias, é uma vida por um dia, a gente abdica de muitas coisas pra estar aqui. E quando a gente abre mão de tudo e é campeã olímpica, vale muito a pena. Que venham muito mais (medalhas) e vamos continuar torcendo para a galera”, afirma.

O que torna a conquista de Bia especial é a dramaticidade da campanha brasileira em Paris. Depois de tropeços Rafael “Baby” Silva, Rafaela Silva e Mayra Aguiar, o Brasil chegou ao último dia de disputa do judô individual com uma prata (Willian Lima) e um bronze (Larissa Pimenta).

Nos últimos Jogos, Bia não conseguiu se classificar. Ela competiu por uma vaga, mas a selecionada para representar o Brasil na categoria acima de 78kg na ocasião foi Maria Suelen Altheman, que lesionou o joelho no torneio. Hoje, a antiga rival é sua treinadora no Esporte Clube Pinheiros, onde ambas treinam.

Uma rival que se tornou treinadora e com o peso de um jejum de ouros do Brasil – no judô e em Paris. Esses elementos acompanharam a jornada de Bia na Olimpíada. Quinta do ranking mundial, começou sua caminhada olímpica contra Izayana Marenco, judoca da Nicarágua – 77ª no ranking. Favorita, correspondeu às expectativas e avançou sem dificuldades: ippon em menos de um minuto de combate. Esse, no entanto, foi o único combate que a judoca enfrentou alguém abaixo de seu ranking.

Bia não tinha status de “azarona”. Mas todas as adversárias que encarou depois das oitavas estavam melhor colocadas na categoria acima dos 78kg. Hayun Kim, nas quartas (4ª colocada no ranking); Romane Dicko (1º lugar) na semifinal; e Raz Hershko, de Israel, número dois do mundo. No primeiro, vitória por waza-ari. No segundo, imobilização. E, na final, novo waza-ari e domínio sobre Hershko.

Somando os quatro combates, Bia passou ilesa. Sem nenhum golpe sofrido. Caminhada histórica que, para a atleta, começou aos 13 anos, quando deixou sua casa em Itariri, no interior de São Paulo, para a capital paulista, onde permanece até então. E no pódio, dividiu espaço com as outras três judocas, que eliminou ao longo de seu último capítulo nesta jornada.

“A luta mais difícil não é nem contra minhas adversárias, mas contra mim mesmo. A gente abdica de muitas coisas para estar aqui”, afirmou, categoricamente, na Arena de Marte, que contou com a presença de Emannuel Macron, presidente da França, e Teddy Riner, tricampeão olímpico no mesmo dia e que acendeu a pira olímpica em Paris. “Parabéns para ele. Merece muito. Mas hoje é meu dia.” Não só o dia, mas o ano de Bia, campeã olímpica.

EMOÇÃO NO AR

Comentarista de judô na TV Globo durante os Jogos, Leandro Guilheiro caiu no choro assim que o árbitro decretou a vitória de Bia Souza na final olímpica. O ex-judoca teve participação direta na conquista. Duas vezes medalhista olímpico (bronze em Atenas-2004 e Pequim-2008), Guilheiro é o treinador de Bia Souza no clube Pinheiros.

“A Bia teve muitos percalços no caminho. A Bia passou por muita coisa. A vó dela faleceu há pouco mais de um mês e agora a gente vê o choro de alegria dela”, disse um emocionado Leandro Guilheiro, que trocou ideias com Bia Souza por telefone entre uma luta e outra.