O jornalista e escritor David Cay Johnston, 67 anos, estava em sua casa em Rochester, a 500 quilômetros da cidade de Nova York, quando o empresário Donald Trump anunciou que concorreria à Presidência dos Estados Unidos, em 16 de junho do ano passado. Para isso, ele precisaria vencer outros 16 concorrentes dentro do Partido Republicano e a descrença de toda a imprensa, que tratava sua campanha como piada. Johnston diz ter sido o primeiro a acreditar que dessa vez era para valer. “Trump tinha um programa de tevê, o ‘Aprendiz Celebridades’, que corria o risco de ser cancelado”, afirma. “Para ele, nada seria mais perturbador do que ver nas capas dos tabloides uma foto com a frase: ‘Você está demitido!’” Depois que Trump venceu as primárias republicanas, Johnston reuniu tudo o que descobriu nos 28 anos em que acompanha a trajetória do candidato para escrever o livro “The Making of Donald Trump” (ainda sem previsão de lançamento no Brasil). Em entrevista à ISTOÉ, o repórter investigativo, que já venceu um Pulitzer (o maior prêmio do jornalismo americano) e passou pelas redações de The New York Times, Los Angeles Times e The Daily Beast, diz que Trump, ao contrário do que apregoa, não é um bilionário e que sua campanha é uma fraude desde o início.

O senhor se surpreendeu com a sugestão de Donald Trump de que poderia não aceitar o resultado das eleições?

Me surpreendeu o jeito com que ele falou e o fato de não ter modificado seu comentário quando teve a oportunidade. Mas ele acreditar nisso não me surpreende.

Em sua opinião, Trump ainda tem chances de se tornar presidente?

Não. Nesse ponto, ele não tem chances de ser eleito, mas essa não é a questão, para mim. Ele não vai desaparecer depois da eleição.

O que ele deverá fazer depois?

Ele vai desenvolver uma nova carreira promovendo racismo, intolerância, xenofobia. Trump percebeu que há uma grande audiência para isso nos EUA. Não é a maioria das pessoas, mas não é insignificante. Eu prevejo que ele alcançaria uma audiência próxima de 10 milhões de pessoas, o que é enorme para a tevê.

O sr. investigou o empresário por quase 30 anos e recentemente publicou “The Making of Donald Trump”. Por que lançou o livro agora?

Conheci Trump em 1988 e o acompanhei durante todos esses anos para diversos veículos. Resolvi escrever o livro porque vi que o jornalismo nacional nos EUA não estava fazendo um bom trabalho em explicar quem era Trump. Eles estavam comprando seus disparates.

Para muitos analistas a mídia ajudou a campanha de Trump porque, no início, não o levava a sério e dava espaço para que ele falasse qualquer bobagem. O sr. concorda com essa avaliação?

Donald Trump é ótimo em televisão. E sua campanha era tão diferente de tudo que já tinham visto que as pessoas paravam para assisti-lo, mesmo que ele não estivesse falando nada de novo. Para os noticiários da tevê, essa era uma grande fonte para obter espectadores. O papel da mídia foi irresponsável e só agora, nas últimas semanas, ela tem colocado recursos para fazer uma cobertura crítica.

“Em 1990, Trump inventou que Madonna, Kim Basinger e Carla Bruni (foto) eram suas amantes. Duas delas ele nunca conheceu e Carla Bruni o denunciou como um ‘lunático’”
“Em 1990, Trump inventou que Madonna, Kim Basinger e Carla Bruni (foto) eram suas amantes. Duas delas ele nunca conheceu e Carla Bruni o denunciou como um ‘lunático’”

Como o sr. descreveria a personalidade de Trump?

É um narcisista e um autoritário de primeira. Suas declarações públicas mostram que ele não sabe de nada. Não conhece conceitos financeiros básicos. Ele diz que vai fazer coisas que o presidente não tem poder para fazer. A razão disso é que Donald Trump não faz a menor ideia do que a Constituição americana diz.

Como é a relação de Trump com as mulheres?

É uma questão complicada. Não me surpreende que várias mulheres o tenham denunciado por assédio sexual. Tenho certeza que há muitas mais. Por outro lado, há mulheres que olham para Trump e se sentem atraídas por ele, e tudo bem. Mas há um capítulo no meu livro que se chama “Amantes Imaginárias”.

Do que se trata?

Em 1990, quando Trump tinha 44 anos, ele plantou notícias de que a cantora Madonna, a atriz Kim Basinger e a modelo e cantora Carla Bruni eram suas amantes. Duas delas ele nunca conheceu e Carla Bruni o denunciou como um “lunático”. Ela teve apenas uma conversa de telefone e um breve encontro com ele num evento público. Uns anos atrás, ele estava em um programa de rádio, o apresentador comentou que Carla Bruni tinha virado primeira-dama da França e perguntou se ela era boa na cama.

E como Trump reagiu?

Trump, em vez de dizer que esse era um assunto privado, tentou criar a impressão de que o único motivo para não falar nada é que ele estava sendo “diplomático”. E, como todos sabemos, Trump não é nem um pouco diplomático. Pense um pouco: esse não é um garoto de 13 anos dizendo que uma garota deixou que ele colocasse as mãos no sutiã dela. Esse é um homem crescido, espalhando histórias sobre casos imaginários e conseguindo cobertura de imprensa sobre isso.

Ele não amadureceu com o tempo?

Hoje Donald Trump é um homem de 70 anos preso nas emoções de um garoto de 13 anos, idade em que ele foi enviado pelo pai para uma academia militar. Isso porque ele era um garoto muito problemático, que sempre arrumava confusão. Se você prestar atenção em como ele fala, ele parece um garoto de 13 anos. Minha teoria é de que ele parou de crescer emocionalmente nessa idade. E que vida horrível. As pessoas deveriam sentir pena de Trump.

Que tipo de problemas ele criava? Os relatos de hoje mostram que Trump não bebe nem usa drogas.

É preciso ser cuidadoso com isso. Trump diz que não usa drogas, mas não sabemos se é verdade. Houve muita discussão nos EUA sobre as fungadas dele nos debates, especialmente no segundo. Preciso dizer também que ele nunca bebeu nem usou drogas na minha frente.

O que seria então?

Num de seus livros, Trump se gaba por ter agredido uma professora no colégio. Não sei se isso é verdade ou se ele inventou, como faz com várias coisas, mas é indicativo de como sua mente funciona. Há histórias que dizem que ele atirava pedras em crianças no Queens (bairro de Nova York onde foi criado). Conversei com uma pessoa que disse ter sido uma dessas crianças e ela me disse: “Minha mãe dizia que Donald gostava de fazer o bebê chorar.”

Ele sempre teve o sonho de ser presidente dos EUA?

Trump fala nisso desde 1985. Em 1988, ele propôs ser o companheiro de chapa de George Bush pai, que refutou publicamente essa possibilidade. Em 2000, Trump concorreu pela nomeação do Partido Reformista, mas não conseguiu. Em 2012, ele tentou a indicação do Partido Republicano, mas disse para mim e outro colega jornalista que não estava concorrendo seriamente. Queria, na verdade, um novo contrato com a NBC (rede de tevê americana).

“Há muita evidência de que Donald Trump é um dos maiores parasitas já nascidos, que sugam o dinheiro de outros empresários, deixam a carcaça e vão para o próximo hospedeiro”
“Há muita evidência de que Donald Trump é um dos maiores parasitas já nascidos, que sugam o dinheiro de outros empresários, deixam a carcaça e vão para o próximo hospedeiro”

Trump acredita em alguma coisa, tem ideologias?

Ele é consistente em dizer: obtenha vingança. Ele também diz que é um cristão, apesar de não haver nenhuma evidência de que pratique a religião. Mas ele se refere à comunhão como “aquela hora em que você pega seu vinho e sua bolachinha.” Certamente num país católico como o Brasil as pessoas vêem isso como uma ofensa à comunhão.

O sr. referiu-se a Trump como uma fraude. Por quê?

No dia em que Donald anunciou sua pré-candidatura, fez um discurso em que relacionou os mexicanos a assassinos e estupradores, tudo de maneira bem preconceituosa. Foi interrompido por aplausos 43 vezes. Donald também denunciou o politicamente correto. Com isso, ele quer dizer que não pode dizer as coisas preconceituosas que diz. Se você acredita no politicamente correto, a sede dele nos EUA é o centro de Manhattan, de onde Trump discursava. A primeira coisa que me questionei foi: onde ele conseguiu essa plateia?

Onde conseguiu?

Descobriram que eram atores que receberam US$ 50 cada. Ou seja, desde o início, a campanha de Donald Trump foi uma fraude. Goste-se ou não de Hillary Clinton, ela tem uma organização com centenas de pessoas trabalhando em comitês por todo o país. Donald não tem praticamente nada, a não ser uma campanha na tevê.

Já foram levantadas várias hipóteses para Trump não revelar sua declaração de impostos. Uma delas é que talvez não seja tão rico assim. Isso é verdade?

Não há agora nem nunca houve nenhuma evidência de que Donald Trump é um bilionário. Em 1990, escrevi uma reportagem para o Philadelphia Inquirer denunciando isso e ele negou. Quatro meses depois, foi instalada uma comissão dos reguladores de cassinos de Nova Jersey e descobriu-se que Trump tinha um patrimônio líquido negativo de US$ 295 milhões. Na época, ele dizia que tinha entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões.

Mas ele não é exatamente pobre.

Numa ação judicial, ele foi questionado sob juramento como ele determinava seu patrimônio. Uma pessoa comum listaria seus imóveis, carros, ações, investimentos e subtrairia sua dívida. Trump respondeu que seu patrimônio líquido era determinado por suas emoções. Disse que dependia de seu humor e sentimentos. As pessoas sabem disso e não o rejeitam porque elas querem acreditar. Trump é um homem rico, mas não um bilionário.

Alguns eleitores consideram votar em Trump justamente por causa de sua imagem de bem-sucedido.

Donald é um péssimo administrador. Ele não cria fortuna, ele extrai dinheiro de empresas. Se fosse um criador de fortuna, seus cassinos em Atlantic City ainda estariam funcionando. Trump foi processado mais de 3.500 vezes por trabalhadores e investidores que se disseram enganados por ele. Há muita evidência de que ele é um dos maiores parasitas já nascidos, que sugam o dinheiro de outros empresários, deixam a carcaça e vão para o próximo hospedeiro.

Foto: ALain Benainous/AFP/Getty Images; Drew Angerer/Getty Images/AFP