Conselho Norueguês para Refugiados situa país centro-africano no topo do ranking de conflitos negligenciados. Falta vontade política, ação humanitária e atenção midiática, enquanto Ocidente corta verbas de assistência.Quando em alguma parte do mundo um conflito irrompe, via de regra quem está de fora pode fazer três coisas: mediar no nível diplomático e exercer pressão política através de resoluções ou sanções, no caso de governos e instituições; minorar o sofrimento da população civil atingida, no caso de organizações humanitárias – na maioria dos casos, financiadas por donativos ou subvenções estatais; e criar pressão pública no noticiário, no caso da mídia.
Baseado nesses três critérios, o Conselho Norueguês para Refugiados (NRC), a maior organização humanitária do país escandinavo, examina sistematicamente os conflitos no planeta. Seu recém-divulgado ranking das dez crises mais negligenciadas do mundo revela que oito delas estão se desenrolando na África.
Os Camarões encabeçam a lista, seguidos por Etiópia, Moçambique, Burquina Faso, Mali, Uganda, Irã, República Democrática do Congo, Honduras e Somália. Segundo a porta-voz da NRC, Laila Matar, o país centro-africano "é um exemplo clássico da negligência global, e saiu-se especialmente mal em todos os três critérios".
O fenômeno não é inédito: já em 2019 os Camarões haviam ocupado esse indesejado primeiro lugar. Em termos de atenção midiática, agora o país está na categoria mais baixa ("negligenciado"); recebeu zero de 30 pontos possíveis na vontade política de solução de conflito; e obtém apenas 45% das verbas humanitárias necessárias.
O NRC informa que 1,1 milhão de camaronenses estão em fuga em seu próprio país, acrescidos de 480 mil refugiados de outros Estados, a maioria da República Centro-Africana.
Um país, dois grandes conflitos
Os Camarões são palco de dois conflitos separados por grande distância geográfica e política. Desde 2017 trava-se no oeste uma verdadeira guerra civil, cujas origens datam mais de 100 anos.
Após a Primeira Guerra Mundial, a ex-colônia alemã foi submetida a administração britânica e francesa. Até hoje fala-se principalmente inglês nas duas regiões ocidentais, North West e South West, e forças radicais reivindicam a separação em relação à parte maior, francófona. Em 2017, promulgaram uma república própria, porém os atentados e embates com o exército se sucedem, já somando milhares de mortos.
Nos últimos tempos, contudo, foi sobretudo o segundo grande conflito que se disseminou: a região do Lago Chade, a que também pertence o extremo norte dos Camarões, está desestabilizada pela atuação transfronteiriça de fundamentalistas islâmicos.
Só em março houve mais de dez ofensivas no département Logone-et-Chari, no extremo norte, assim como no estado de fronteira Borno, da Nigéria, relatava em meados de maio Remadji Hoinathy, especialista do Instituto de Estudos de Segurança residente no Tchade. "Em ataques-surpresa a instalações militares, foram roubados equipamentos, armas e, por vezes, até veículos."
O grupo terrorista Boko Haram dividiu-se em duas posições na região, prossegue Hoinathy: "Por um lado há a ISWAP [Província do Estado Islâmico na África Ocidental], que persegue a estratégia de conquistar os corações do povo. Nos territórios conquistados, eles estabelecem estruturas quase-estatais, às vezes até serviços sociais, porém principalmente à custa da exploração das comunidades e da coleta de impostos ilegais."
O especialista em segurança descreve o procedimento do segundo grupo, o JAS, como "violência indiscriminada contra militares, órgãos públicos e também civis": "As pessoas no local estão presas numa armadilha, sendo às vezes forçadas, em nome da própria sobrevivência, a cooperar com um dos grupos, a pagar impostos e a contribuir com as metas deles."
Maioria dos refugiados entregue à própria sorte
Tais práticas contribuem decisivamente para centenas de milhares vagarem pela região como deslocados internos. Deles, registra o NRC, apenas 30% vivem em seus campos de refugiados oficiais: a maioria está entregue à própria sorte, em condições precárias.
Entre estes está Haoua, que no fim de 2024, então com 39 anos, contou sua história à DW na cidade de Maroua, no norte dos Camarões, onde vivia há um ano. Como o marido fora preso e o genro, morto por islamistas, ela ficou responsável por seus oito filhos e dois netos.
"As crianças não vão à escola, não tenho dinheiro para pagar a educação delas. Não sei onde o meu marido está preso. Já faz quase quatro dias desde a última vez que as crianças e eu comemos. Se eu vou pedir esmolas nas ruas, me expulsam." Só de vez em quando Haoua conseguia algum dinheiro lavando roupas alheias.
Sem atenção externa, futuro dos Camarões "ainda mais sombrio"
Para que algo mude para a população local, a situação de segurança precisa melhorar. Já há anos os países da região do Lago Chade cooperam em operações militares conjuntas contra os fundamentalistas que operam para além das fronteiras nacionais.
Além disso, como comenta o analista Hoinathy, "para além da agenda militar, há também uma iniciativa regional de estabilização": "Mas depois de mais de uma década de luta contra o Boko Haram, notam-se certos sintomas de esgotamento na cooperação regional."
O relatório do NRC alerta que, sem uma nova atenção política, humanitária ou midiática, as perspectivas de futuro dos Camarões são "ainda mais sombrias". Laila Matar critica que países como os Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha tenham cortado seus orçamentos para desenvolvimento e assistência humanitária, enquanto investem na defesa.
"Bastariam de três a quatro dias dos investimentos militares globais de 2024 para fechar toda a lacuna de financiamento da ajuda humanitária. Com vontade política, essas crises negligenciadas seriam solucionáveis."