“Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar.” Foi com esse discurso que, em 1988, Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados, promulgou a Constituinte. Quase vinte anos se passaram e hoje o plenário da Câmara parece cada vez mais distante da voz das ruas. Na cadeira da presidência da Casa Legislativa, há duas décadas se sentam políticos que estão na cadeia ou sob investigação por corrupção. Entre eles, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que responde a dois inquéritos por ter recebido dinheiro da Odebrecht. Ele pode ocupar também nos próximos meses outra cadeira: a de presidente da República, caso o cargo vague com a saída de Michel Temer. Na última semana, juntou-se ao rol de presos, onde já está Eduardo Cunha (PMDB), outro ex-presidente da Casa, o também peemedebista Henrique Eduardo Alves, acusado de corrupção e lavagem dinheiro na construção da Arena das Dunas, em Natal.

Alves comandou a Câmara entre os anos de 2013 e 2014 e teve sucessores e antecessores com condutas igualmente duvidosas. Desde 1988, praticamente todos os presidentes da Câmara viram seus nomes emergirem em polêmicas. Recaem sobre os ocupantes do cargo acusações de recebimento de propina, desvio de dinheiro público e até condenações sobre trabalho escravo. Além de Alves e Cunha, o petista João Paulo Cunha, que comandou a Câmara entre 2003 e 2005 também foi preso, condenado por corrupção passiva e peculato no julgamento do mensalão, em 2013 – no ano passado, no entanto, foi perdoado pelo Supremo Tribunal Federal. “Nos últimos 30 anos foi dado ao presidente da Câmara um poder muito grande. Ele é o segundo substituto do presidente da República, tem um poder mais expressivo do que o do presidente do Senado”, afirma o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). No atual cenário, em que o presidente Temer corre risco de deixar o cargo, é possível que o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ocupe interinamente a posição por ao menos trinta dias, tempo necessário para a convocação de eleições indiretas.

Para o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino, o desprestígio do cargo tem a ver com a desmoralização do Congresso Nacional. “A eleição do presidente se dá pelos próprios congressistas, e a sociedade não está vendo o que se passa no legislativo, os acordos que se dão.” Mas será justamente o Congresso que elegerá um eventual sucessor de Temer no caso de eleições indiretas. “Existe a fragilidade em termos de legitimidade. A população não confia muito no que não passa pelo seu crivo, ainda mais com um Congresso com tantos problemas éticos”, diz o professor. A representatividade, ao que parece, passa cada vez mais ao largo do legislativo brasileiro. “A Câmara é a cara do País, e o País é desse jeito, embora isso não seja aplaudível”, lamentou Nogueira.

A maldição do cargo
Os presidentes da Câmara envolvidos em escândalos

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