O Brasil cansa.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu que eram inconstitucionais as doações para campanhas políticas feitas por empresas. Fez isso em meio à indignação causada pela Lava Jato, que mostrou que, além de praticar caixa 2, grandes grupos empresariais, especialmente de empreiteiras, financiavam candidatos com dinheiro desviado de estatais, especialmente a Petrobras.

Sempre achei a decisão ruim. Em primeiro lugar, porque não impede que políticos recebam dinheiro por baixo dos panos. Só fiscalização e combate à corrupção fazem isso.

Em segundo lugar, por cassar uma prerrogativa que me parece justa: as empresas são atingidas de mil maneiras por decisões do governo que só dizem respeito a elas, e não às pessoas físicas. Dentro de um limite claro para os valores, que impedisse grupos bilionários de exercer influência excessiva nas eleições, elas deveriam poder doar aos candidatos que lhes parecessem mais aptos a fortalecer o seu setor, ou a economia de forma geral.

A terceira razão é que o financiamento eleitoral exclusivamente público incentiva os congressistas a ampliar cada vez mais a mordida no orçamento para pagar suas campanhas.

Era previsível, e foi o que aconteceu. Depois de gastar dois bilhões nas eleições de 2018, os deputados praticamente triplicaram, na tarde de ontem, o valor a ser utilizado em 2022. Ele saltou para 5,7 bilhões de reais.

Com certeza é escandaloso. A dinheirama equivale a mais de um quarto dos 20 bilhões reservados neste ano para a compra de vacinas.

Mas o pior é a forma como aconteceu: a verba estava embutida na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que foi aprovada em votação simbólica, em vez de nominal.

Em outras palavras, os deputados sabiam que a medida seria impopular e decidiram se esconder por trás de um método de votação que não obriga cada um a declarar sua escolha. Covardia e malandragem.

Alguns foram ainda mais longe. Depois de assistir calados à votação simbólica, resolveram dizer hoje, diante da repercussão negativa, que desaprovam os muitos bilhões direcionados ao fundo eleitoral.

Tem nome para isso: hipocrisia. Nenhum deputado foi pego de surpresa. Quem não quis endossar os 5,7 bilhões, fez isso ontem. Foram cento e quarenta e cinco os que se mexeram para votar contra.


PS: Os bolsonaristas adeptos do voto impresso rasgaram o regimento da Câmara dos Deputados na tarde de hoje, para evitar que o relatório favorável à adoção desse modelo fosse rejeitado. Ao perceber que a derrota era inevitável, o presidente da comissão que analisa o tema, o deputado Paulo Eduardo Martins (PSC/PR), encerrou abruptamente a sessão, que já vinha bastante tumultuada. Pela revolta que causou, deve ter aumentado ainda mais a determinação de quem não quer o voto impresso. O episódio também mostrou o que esperar nas eleições do ano que vem: se recorreram à chicana para não perder a votação de hoje, o que farão os bolsonaristas quando seu mito for derrotado nas urnas?