A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira, 5, a urgência de votação para um projeto de lei que equipara ao crime de homicídio o aborto realizado após 22 semanas de gestação e com viabilidade do feto, mesmo quando a mulher grávida tenha sido vítima de estupro, em uma iniciativa de enfrentamento ao Supremo Tribunal Federal (STF). A votação aconteceu de modo simbólico e sem que o nome do projeto fosse citado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Alguns parlamentares sequer perceberam o que estava sendo definido. Houve reclamações sobretudo do PSOL, que é contrário à iniciativa.
O projeto tem o apoio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e da bancada da bala, três dos grupos mais conservadores do Legislativo brasileiro. A votação de urgência acelera a tramitação do projeto.
Com a urgência aprovada, a matéria é analisada diretamente no plenário, sem precisar passar antes por discussões em comissões temáticas da Câmara. A expectativa do autor da proposta, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e do presidente da FPE, Eli Borges (PL-TO), é que o mérito seja votado na semana que vem.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), porém, disse nesta terça-feira que o compromisso que fez foi apenas de pautar o requerimento de urgência do projeto. “Nada é reação a nada. A bancada evangélica, cristã, católica tem essa pauta antiaborto na Casa. Não é novidade para ninguém. Eu apenas comuniquei no colégio de líderes que havia sido feito um pedido de votação de urgência de um projeto para se discutir o tema”, disse o presidente da Câmara a jornalistas.
Essa é mais uma frente de confronto entre a ala conservadora do Congresso Nacional contra o STF. Em maio, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou a suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas resultantes de estupro.
A técnica, feita em casos de aborto legal, consiste na injeção de uma substância que provoca a morte do feto para que depois ele seja retirado do útero da mulher. A resolução dificulta a interrupção da gestão, já que o método é considerado essencial para o procedimento.
O CFM entrou com recurso e afirmou que o processo deveria ter sido distribuído ao ministro Edson Fachin, que já é relator de uma ação sobre o aborto legal e, na avaliação da entidade, tem preferência para julgar o caso.
O presidente da bancada evangélica, Eli Borges (PL-TO), disse que se encontrou com Lira e vê que é uma pauta para ser resolvida com “urgência”, em resposta ao STF.
“É uma pauta que tem que ser resolvida com urgência pela decisão monocrática de Alexandre de Moraes, que faz um contraponto à decisão do Conselho Federal de Medicina, houve uma compreensão dele e dos líderes que temos que resolver isso no Legislativo, até porque esse é o foro ideal para resolver isso”, afirmou Eli. “Esse Parlamento é conservador.”
“Quando os médicos decidem, por que o Congresso tem que obrigar, por que o STF tem que obrigar? Aqui vai imperar o bom senso”, afirmou a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), uma das principais articuladoras da iniciativa.
“Tem partido que quer matar bebê? Em outros assuntos, a gente até senta para negociar. Com relação à vida, não tem concessão”, disse Damares.
Ela crê que a proposta deve tramitar sem demais problemas e que o Centrão endossará a proposta encabeçada por bolsonaristas. “Chegando aqui (no Senado), vai ser imediata (a entrada do projeto em pauta). Eu já até sugeri obstrução se não passar logo”, concluiu.
Caso a matéria seja aprovada, o aborto nos casos em que a gestação ultrapassar 22 semanas e houver viabilidade do feto para a ser homicídio simples. O Código Penal determina atualmente prisão de um a três anos para quem realiza aborto fora dos casos previstos em lei. Para homicídio simples, a pena é de seis a 20 anos de reclusão.
“O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”, diz um trecho do projeto de lei.
O projeto faz parte da chamada “pauta de costumes” capitaneada pela oposição no Congresso e desagrada ao governo Lula e sua base de apoio de esquerda. A aprovação do texto seria mais um revés para o Palácio do Planalto dias após a sessão de análise de vetos que gerou uma série de derrotas do Executivo.
Temeroso do revés, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), já se afastava da discussão no dia anterior à votação. “Isso não é assunto de governo”, disse na terça-feira.