Verkhoiansk fica a 115 quilômetros do Círculo Polar Ártico. Nessa cidade russa, a temperatura chegou a 38° em 20 de junho de 2020, recorde na “tampa” gelada da Terra, onde o frio baixa a -50°. Fenômeno pontual, assim como a neve cobrindo dunas no deserto do Saara ou a infestação de besouros registrada na Argentina. Mas lugares frios entre o Centro-Sul do Chile e a Patagônia receberam ondas de calor acima dos 40 graus, neste início de 2022, segundo dados meteorológicos. E se os últimos seis anos foram os mais quentes do planeta desde 1880, a chance da média de temperatura de 2024 subir 1,5 grau mais que na era pré-industrial é considerada alarmante.

GROENLÂNDIA Ao Norte, a perda de massa de gelo ajuda na elevação do nível dos mares que é cada vez mais rápida (Crédito:Hannibal Hanschke )

Monitoramentos são realizados há mais de um século, com dados por satélites nos últimos 40 anos. Mudanças levavam décadas, mas agora se acentuam. O planeta derrete, o nível dos oceanos sobe, as condições climáticas enlouquecem. Os cientistas ligados à glaciologia, ciência que trata de gelo e neve, alertam sobre o derretimento de grandes extensões e volumes, que acrescenta anualmente 8 milímetros no nível médio dos mares e ainda provoca a maior instabilidade do clima nos últimos dez anos. Com a irregularidade da circulação atmosférica, há trocas mais frequentes entre ondas de calor e frio.

O degelo da criosfera (camada de gelo e neve que ainda cobre 10% do planeta) se manifesta de maneiras diferentes. “Nem todo gelo do planeta é igual”, observa Jefferson Cárdia Simões, vice-presidente do Comitê Científico para Pesquisas na Antártica e professor do Instituto de Geociências da UFRGS. Geleiras, mares congelados, permafrost (ou solo congelado) e neve sazonal (no alto das montanhas) são os quatro componentes da massa de gelo no planeta, com formações diferentes e consequências também diversas pelo derretimento.

O Sul do planeta é menos afetado que o Norte. “A Antártica é muito mais fria, é isolada e é um continente”, diz o professor. Se todo o gelo do manto da Antártica – 13,6 milhões de km2 e locais com cinco quilômetros de espessura –, fosse colocado sobre o território brasileiro, o país ficaria coberto por uma camada gelada e homogênea, com três quilômetros na espessura. “Já o Ártico não é um continente. É um oceano, circundado por massas continentais e muito mais sensível do que a Antártica às mudanças de clima. Lá, as águas quentes entram com mais facilidade, assim como as massas de ar. Suas geleiras derretem e mesmo o Sul da Groenlândia já perde massa.” Até “geleirinhas”, como diz o professor, em regiões temperadas ou tropicais (Andes, Montanhas Rochosas, Glaciar Carstensz, na Nova Guiné…), merecem atenção. “Nos Andes, elas armazenam água, liberada com o degelo, no verão. Desaparecendo, pode haver estresse hídrico na Bolívia e no Peru. Em La Paz, 40% da água vêm das geleiras.”

Sobre os mares congelados, que podem deixar de existir em 2050, a pior situação também é no Ártico. Jefferson Simões fala da enorme importância na variação do clima do planeta: “Quando o mar congelado, que é branco, desaparece no verão, dá lugar ao escuro do oceano e se inicia um reprocessamento. O branco retorna 80% da radiação do sol. O escuro, ao contrário, absorve, retendo mais energia, o que aquece ainda mais o local, derretendo ainda mais o mar congelado.” O aquecimento no Ártico é três vezes maior do que no resto do planeta.

O terceiro componente da criosfera é o permafrost, ou solo congelado, presente na Sibéria, Canadá, países escandinavos e mesmo no fundo dos oceanos (em sua maior parte no Ártico e em pequenas extensões na Antártica). Nesse congela-descongela de milhares de anos, que vem se acentuando, o permafrost libera metano (CH4), um dos gases responsáveis pelo efeito estufa no planeta – que ajuda no derretimento do Ártico. Quanto à neve sazonal, também está desaparecendo, amontoada cada vez mais no alto das montanhas. O degelo, no geral, provoca consequências que vão do turismo a mudanças nas rotas comerciais pelos mares e até na militarização do Ártico (que vem atraindo a China, além de EUA e Rússia).

No Brasil, há estudos sobre derretimento de geleiras amazônicas, da mesma forma que pesquisas apontam a desertificação que vai do Nordeste para a Amazônia. “Mas mudanças de clima estão inseridas em um sistema geo-econômico e sócio-político conturbado e doido, com negacionistas precisando ser estudados pela falta de percepção da realidade”, destaca o professor Jefferson. “Vivemos tempos em que um maluco acha que sabe mais que toda a comunidade científica internacional”, conclui.