Às 7h da manhã, uma fila considerável já estava formada na frente do Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros – um dos bairros com maior concentração de idosos na cidade de São Paulo, segundo dados da Fundação Seade. Minutos antes da abertura dos portões, as pessoas já mostravam preocupação com as normas e os protocolos. “Tenho álcool em gel e trouxe minha própria caneta”, disse o engenheiro Edson Elias, 65 anos.

Além dos itens básicos, não faltou quem decidisse pelo uso de luvas. “Você vai apertar um botão que foi usado por milhares de pessoas. Luva deveria ser obrigatória”, comentou Ivone de Arruda, 69, anos.

Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tenha adotado a medição de temperatura como protocolo obrigatório, quem votou no Colégio Santa Cruz passava por uma aferição antes de ingressar nas seções eleitorais. O problema é que alguns eleitores, simplesmente, se recusavam a ter o termômetro apontado para a testa.

“Eu me senti constrangida. Não quero o termômetro na testa. Vão me obrigar a isso? Minha obrigação é votar”, reclamou uma eleitora que pediu para não ser identificada. “Onde está escrito que isso é obrigatório? Onde?”, perguntava outro eleitor.

Ao observar as discussões em torno do termômetro na testa, Luiza Souza, 61 anos, comentou. “O pessoal é muito cri-cri. Já saiu de casa, já se expôs, deixa tirar a temperatura, vota e vai para casa”, provocou.

Geralmente, quem não queria saber de termômetro na testa oferecia o pulso para a aferição. Até o momento em que a reportagem permaneceu na entrada da escola, a medição pelo pulso não estava sendo aceita. Para justificar a negativa, os responsáveis mostravam um comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que informava ser a “região da testa” a mais recomendável para uma aferição precisa da temperatura corporal.

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Para resolver o impasse, o eleitor era convidado a usar um termômetro à moda antiga (embaixo do braço mesmo).

Mas qual o motivo de tantas pessoas não permitirem a aferição com o termômetro apontado para a testa?

A resposta é: por culpa de uma fake news. Nos meses que antecederam o pleito, uma fake news bastante difundida dizia que termômetros infravermelhos seriam prejudiciais aos seres humanos, em especial à região da glândula pineal – que tem a função de produção e regulação de hormônios. A desinformação circulou tanto que a própria Anvisa precisou publicar um comunicado desmentindo a história.

A infectologista Raquel Stucchi afirmou que o “temor do ‘termômetro na testa’ não tem cabimento” e que “essa já foi uma fake news desmentida há muito tempo”. Ainda assim, a infectologista pondera que “se a medição não foi uma obrigação imposta pelo TSE, a exigência da escola criou uma dificuldade desnecessária aos eleitores”.

Outros colégios tradicionais, como o Dante Alighieri, na região da Paulista, não promoveram ações para a aferição de temperatura. Na escola, a oferta de álcool em gel e a política de distanciamento foram suficientes. Nas seções eleitorais, apenas um eleitor permanecia na sala. “Me senti superssegura. Votei praticamente sozinha e em um lugar arejado. Não me senti em perigo”, comentou a aposentada Maria Inês Santo, 62 anos. A única pequena aglomeração foi produzida por apoiadores e jornalistas durante o voto do candidato a prefeito Andrea Matarazzo (PSD).

Chamou atenção dos eleitores o busto de Dante Alighieri usando uma máscara contra a covid-19. “Achei ótima a iniciativa. Se alguém esquecer a máscara no queixo, acaba se lembrando imediatamente depois de olhar a estátua”, contou.

O clima eleitoral de eleições passadas não se repetiu na maioria das regiões da cidade. Foi raro ver algum apoiador com bandeiras ou propaganda de candidatos. A impressão de “um domingo como outro qualquer durante a pandemia” foi compartilhada entre muitos eleitores. Mesmo as máscaras com nome e número de candidatos foram artigos raros de se ver ontem.

Outra tradição parece ter perdido força este ano. Desta vez, quase não se viu crianças acompanhando os pais em zonas eleitorais e, muito menos, dentro das cabines, na hora do voto.

Foi na zona leste que a reportagem encontrou algum resquício de eleição à moda antiga. Nas imediações da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Luís Washington Vita, a reportagem viu cabos eleitorais fazendo boca de urna e muitos, muitos mesmo, santinhos de candidatos espalhados pelo chão. Além disso, alguns eleitores chegavam até a entrada da escola sem máscara – colocando-a apenas para entrar na unidade de ensino. “Esta eleição foi tão desanimada e estranha que ver um santinho no chão foi até emocionante”, brincou o eleitor Francisco Bastos, 49 anos.

Ao chegar ao colégio, Arnaldo Gomes brincava com um conhecido que usava uma máscara com o distintivo do Corinthians. “Perdeu para o Galo ontem. E agora? Vai votar em quem, perdedor?”, perguntou em tom de galhofa. A resposta do corintiano envolveu uma declaração de voto na mãe do estimado amigo.

Na Escola Estadual Doutor Murtinho Nobre, na região do Ipiranga, zona sul, eleitores lamentaram a eleição no meio de uma pandemia. “A covid tirou o prazer que era reencontrar com os amigos na zona eleitoral, tomar um cafezinho e conversar sobre a vida”, comentou Eduardo Amato, 43 anos.


Mesmo com poucos flagrantes de boca de urna, foi possível observar carros totalmente “envelopados” com propaganda de candidatos nas redondezas das zonas eleitorais. Na maioria dos casos, permaneciam estacionados a poucos metros das escolas. Eventualmente, também era possível notar “carros eleitorais” passeando pelos bairros – sem utilização de propaganda sonora.

Mais tarde, a sensação de calmaria nas ruas foi confirmada pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), Waldir Sebastião de Nuevo Campos Junior, que afirmou que o domingo de votação foi bastante tranquilo em todo o Estado e sem registro de graves incidentes. O TRE admitiu, porém, a formação de filas mais longas em algumas seções pela necessidade de higienização dos locais de votação entre a presença de um eleitor e outro.


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