Os militares começaram a reforçar a segurança de Cali, a terceira cidade da Colômbia, neste sábado (29), diante da violência que deixou 13 mortos durante os protestos que eclodiram há um mês contra o governo de Iván Duque.
Apenas alguns poucos veículos eram vistos nas ruas da cidade, onde na sexta-feira se enfrentaram manifestantes, policiais e civis armados até com fuzis.
Restos de barricadas e grandes quantidades de escombros refletem o caos que envolveu esta cidade de 2,2 milhões de habitantes, sob toque de recolher noturno.
Treze pessoas morreram em diferentes episódios, entre elas um funcionário do Ministério Público, que matou com sua arma dois manifestantes que bloqueavam uma via. A multidão se lançou sobre o homem – que estava de folga – e o linchou, segundo a instituição.
“No sul da cidade tivemos (…) quase uma guerra urbana, onde muitas pessoas não só perderam a vida, como também tivemos uma importante quantidade de feridos”, disse o secretário de Segurança, Carlos Rojas, à Caracol Radio.
Ao menos oito das mortes foram por armas de fogo, segundo a polícia.
Em um mês de protestos maciços morreram pelo menos 59 pessoas, inclusive os 13 mortos da véspera, pois a Defensoria do Povo tinha reportado 46 falecidos até a sexta. Enquanto isso, os feridos passam dos 2.300 entre manifestantes e uniformizados, segundo o Ministério da Defesa.
A ONG Human Rights Watch garante ter recebido “denúncias confiáveis” de 63 mortes, 28 delas relacionadas diretamente com as manifestações.
Duque, que está desde a sexta-feira em Cali, determinou a mobilização de tropas na figura de assistência militar que faculta ao exército o apoio à polícia nos trabalhos de controle.
“Eu me sinto mais seguro com o exército do que com a polícia (…) porque aqui sempre foi mais respeitado”, disse Modesto Tenorio, comerciante de 64 anos.
– Civis “massacrando” –
São no total 7.000 militares que assumirão a vigilância de Cali e do restante dos municípios do departamento açucareiro e industrial do Valle del Cauca. Em um decreto assinado na noite de sexta-feira, o presidente ativou o mesmo dispositivo de apoio militar para outros nove departamentos (estados) afetados pelos bloqueios viários.
Desde 28 de abril, multidões se mobilizam para protestar contra o governo pelos abusos policiais e a gestão da crise econômica provocada pela pandemia.
Na sexta-feira, o dia foi particularmente violento em Cali. “Nós estávamos em uma atividade cultural com as pessoas porque já estávamos celebrando um mês de paralisação” no bairro de Meléndez (sul), “quando foram ouvidos alguns tiros”, contou à AFP uma testemunha que pediu para não ter seu nome revelado por medo .
“Começaram a massacrar as pessoas”. Eram “uns cinco personagens à paisana, escondidos atrás das árvores”, contou o estudante secundarista de 22 anos. Vídeos que viralizaram nas redes sociais apoiam a versão dele.
A polícia garantiu em um comunicado que vai investigar os membros da força pública que foram “permissivos com a atuação de civis armados”.
– Militarização sob críticas –
A Colômbia passa por um levante popular inédito detonado por uma proposta de Duque para aumentar os impostos para a empobrecida classe média, com o fim de tapar o buraco fiscal deixado pela pandemia. O presidente cedeu à pressão das manifestações e arquivou a iniciativa, mas a violência policial agravou o mal-estar social.
Os excessos da polícia, que na Colômbia é subordinada ao Ministério da Defesa, foram condenados pela comunidade internacional. Segundo a ONG Indepaz, 43 das mortes seriam de “suposta autoria da força pública”.
O governo evita condenar abertamente a repressão policial e assegura estar enfrentando vandalismo e o “terrorismo urbano de baixa intensidade”. Também denunciou que grupos guerrilheiros financiados pelo narcotráfico se infiltraram no movimento de protesto.
Duque, que há duas semanas tenta negociar uma saída para a crise com a frente mais visível dos protestos, endureceu sua posição com o envio de tropas para as cidades.
Luis Felipe Vega, professor de ciência política da Universidade Javeriana, questionou a medida. É como “apagar um incêndio com gasolina”, já que um soldado é formado para “neutralizar uma ameaça”, e não para controlar protestos, disse à AFP.