O selo Discobertas, do produtor Marcelo Froes, coloca nas lojas uma importante caixa com quatro discos da cantora Sandra de Sá, de uma época em que ela se chamava apenas Sandra Sá. Importante porque Sandra tenha talvez uma das trajetórias mais intrigantes na música brasileira surgida no início de anos 1980. Ela veio dotada de potencial vocal, entendendo o abrasileiramento do soul e do funk feito por Cassiano e Tim Maia no início da década anterior, mas, curiosamente, não se manteve sobre a prancha pelo tempo que merecia. Caía, subia de novo, e lançava discos com oscilações de qualidade e de direção.

Sandra de Sá – Anos 80 (Discobertas, R$ 87,90) reúne os álbuns Demônio Colorido, de 1980 (seu primeiro), Sandra de Sá (1982), Vale Tudo (1983) e Sandra de Sá (1984). Um época que antecede o movimento que ela faria em direção ao romantismo pop. A menina neta de avô cabo-verdiano teve em casa as bases de uma estrutura erguida pelo samba e pelo soul. A “Tim Maia de saias” era também uma sambista de criação na quadra da escola Caprichosos de Pilares.

Seu primeiro disco, lançado originalmente pela RGE, vem imerso no molho da influência estética definitiva elaborado pelo tecladista Lincoln Olivetti. Ele não é o único arranjador, mas seu espírito parece flanar sobre todas as 12 faixas. É ainda a Sandra sem o rumo da música ainda tão cheia. Seu trabalho mais enxuto, ainda que abra com uma canção que dá a pista de quem será Sandra pelos próximos anos. Pé de Meia é uma espécie de samba soul, gafieira funk. Depois, ela aparece com Cavalo Ferro, de Fagner; Na Mira dos Seus Olhos; Receio de Errar; Bandeira (parceria de Sandra com a amiga de início de estrada, Fafy Siqueira) e com uma canção de Gilberto Gil, É.

O que seria o lado B mostra a atenção ao que estava em alta à época. De Fabio Jr, Sandra grava o hit Vinte e Poucos Anos. O destaque à primeira música importante de sua carreira, Demônio Colorido, uma das 10 finalistas do festival MPB 80, da Globo, só aparece no lado B, como a última canção.

O disco seguinte é Sandra de Sá, de 1982. O caminho vai sendo tomado aos poucos, saindo do que havia de “orgânico” do disco de estreia e ganhando mais corpo sintético. Mas o álbum abre com Olhos Coloridos, um sucesso de nascença, composta pelo ‘funk man’ Macau. Sandra lança Música Maravilha, de Tunai e Sérgio Natureza, a canção Ousadia, parceria sua com a amiga Fafy Siqueira, e Quero Ver Você Dançar, de Ton Saga. Ainda sem radicalizar na atitude pop, ela faz a soul Preciso Urgentemente Falar com Cassiano, do cantor Fabio e Paulo Imperial, irmão de Carlos Imperial. Há ainda Sobreviver, Negra Flor e Se Grile Não. O relançamento traz como bônus as músicas Palco Azul e Monalisa.

Vale Tudo, de 1983, simboliza a primeira grande explosão comercial de Sandra e sua chegada ao formato definitivo. A gravação é mais bem feita, os arranjos vão ficando mais cuidadosos e a “era das FMs” vai determinando também para que lado um artista deve seguir. Sandra abre de novo com um funk de Macau, em parceria com a própria cantora e o direção de produção de Durval Ferreira. O disco segue com Candura, de Cassiano e Denny King.

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Mais suingue, mais balanço. E assim segue com Pela Cidade o charm Onda Negra, e a “nostalgia” de Gamação. Mas o que faz a diferença no primeiro grande álbum de Sandra é a gravação que ela vai fazer com Tim Maia de Vale Tudo, do próprio Tim. A música vai levar Sandra a esferas mais altas, mesmo com a frase que se tornaria de pronúncia inviável 25 anos depois: “Vale tudo / só não vale dançar homem com homem / nem mulher com mulher”. Guilherme Arantes seria outro colaborador de Sandra neste trabalho, cedendo Só as Estrelas para ela gravar. Uma tentativa de se emplacar ainda mais uma nas rádios.

O seguinte, de 1984, já é feito sob a administração Guto Graça Mello. Sandra é agora uma cifra alta, um sucesso potencial. E talvez, nesse instante, os caciques tenham se ouriçado para potencializar sua força pop. As coisas começam a ficar pouco naturais desde o início, de Batikum, parceria de Lulu Santos e Nelson Motta. Guilherme Arantes, um hitmaker consagrado à época, colabora de novo com Férias de Verão, que pouco iria tocar. O disco mais ‘frankestein’ sai dando disparos aleatórios com músicas que não dialogam entre si, como Muito Prazer, Filho e os pontos de candomblé Canto de Oxum / Canto de Oxossi. O amigo de outras datas Cazuza e sua banda Barão Vermelho são convidados para gravar com Sandra uma faixa, Sem Conexão Com o Mundo Exterior, e até Billie Holiday aparece em I’m a Fool to Want You. A faixa-bônus traz um dos maiores sucessos dessa fase de Sandra, Enredo do Meu Samba, um samba consagrador de Dona Ivone Lara e Jorge Aragão, sucesso na abertura da novela Partido Alto. Um samba que, como ditava o primeiro disco, viria cheio de groove de gafieira.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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