Ao contrário do presidente Jair Bolsonaro, vírus são democráticos: não diferenciam em seus ataques o mais alto mandatário da Nação de um simples e anônimo cidadão. Bolsonaro, agora reagente para Covid-19, o tempo todo desacreditou da doença, mascarando-a com ideologia e interesses políticos. Usa-se, aqui, o termo mascarando, porque é de máscaras que nos propomos a falar, reunindo os principais episódios que envolveram o presidente e esse indispensável instrumento de proteção individual. Vamos, claro, do fato mais recente para aqueles que foram se desgastando no tempo. Na terça-feira 7, ao anunciar em entrevista coletiva que está sendo portador da doença, Bolsonaro incorreu em diversos erros. O primeiro deles foi convocar a própria coletiva, uma vez que deveria imediatamente ter se isolado — para o bem de seu tratamento e boa recuperação e para o bem dos outros. Mas houve uma segunda falha: ainda que tenha recuado alguns passos, ele retirou a máscara (“vou mostrar minha cara para vocês”), expondo os jornalistas ao risco do contágio e cometendo três crimes previstos no Código Penal: infração de medida sanitária preventiva, ofensa a saúde de outros indivíduos e incitamento público a prática de crime. “Uma pessoa que sabe que está com a Covid-19 não pode dar entrevista”, diz o infectologista Julival Ribeiro. “O correto é ficar em quarentena, e isso vale mesmo para autoridades”. Bolsonaro deveria, assim, ter informado o País por intermédio de sua assessoria. A Associação Brasileira de Imprensa e advogados independentes cogitavam, na quarta-feira 8, de processá-lo criminalmente.

DIA A DIA Boa parte da população nas ruas do País é o espelho do descaso do governo federal: mais enfeite, menos proteção (Crédito:Aloisio Mauricio )

Ideologia e pandemia

Há, no entanto, mais máscaras caídas no caminho do presidente. Quatro dias antes de ser divulgado o resultado positivo de seu teste, Bolsonaro vetou dezessete pontos vitais do projeto aprovado pelo Congresso e que exige uso de máscaras de forma generalizada e generalizante em nome da saúde pública. Seguindo o rito democrático, Câmara e Senado enviaram-lhe tal projeto para sua sanção. Tem ele a prerrogativa constitucional de recusar tópicos e devolver a lei aos parlamentares, que, também legalmente, podem não aceitar os vetos — e isso com certeza ocorrerá, uma vez que os congressistas, responsáveis por nove a cada dez medidas contra a enfermidade, já se mobilizam com esse propósito. Bolsonaro desprezou, mais uma vez, as recomendações da comunidade científica mundial para que máscaras sejam utilizadas e desobrigou o seu uso compulsório em presídios (verdadeiras usinas de vírus dada a precariedade das condições carcerárias), em cultos religiosos, no comércio em geral, em órgãos e entidades públicas, instituições de ensino e locais fechados — justamente aqueles que colam uma pessoa à outra e aproximam respirações. Álcool em gel, então, nesse nem pensar. Bolsonaro evaporou com tal cláusula, tudo isso contrariando as regras da OMS. Detalhe: enquanto o presidente derrubava as máscaras físicas propostas pelo Congresso, também as suas máscaras ideológicas com as quais trata a pandemia foram caindo.

Patricia Borges

“Uma pessoa que sabe que está com Covid-19 não pode dar entrevista. O correto é: está com Covid, fique em quarentena. Vale também  para autoridades”
Julival Ribeiro, infectologista

Ressalte-se duas. A primeira: ele confundiu a população ao se posicionar contrário a todos os tipos de anteparos, fazendo que muita gente não desse a devida importância ao momento que vivemos. Nenhum cidadão democrata, discordando, portanto, ideologicamente do autoritarismo do presidente, torceria para que ele ficasse doente. Mas, a rigor, Bolsonaro fez-se vítima de seu próprio descuido. A outra importante máscara a cair é aquela que veio quando, das palavras, ele passou à ação: deu passeios aos finais de semana, misturando-se à população, cumprimentando um e outro — tudo sem máscara e, em algumas ocasiões, limpava o nariz com os pulsos e depois apertava as mãos de admiradores. No dia em que seu exame deu positivo, o Brasil chorava quase setenta mil mortos e os óbitos em casa aumentavam 53% em São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Fortaleza. Com certeza, quando esse inferno passar, Bolsonaro será denunciado junto ao Tribunal Internacional Penal, sediado em Haia. Bolsonaro está doente? Que logo se recupere. Mas ele contribuiu para que muita gente adoecesse antes dele.