RIO DE JANEIRO Primeira cidade a derrubar o protetor: adesão cuidadosa (Crédito:Chico Ferreira)

“Tirar ou não tirar a máscara, eis a questão”. Essa é uma intrincada dúvida, difícil de ser dirimida, porque ela não deixa de estar relacionada com vida e morte, embora seja muita mais médica que filosófica. Quer angustie a população leiga, quer desperte o interesse de especialistas, o fato é que não há consenso. Não sem motivo, portanto, é com muita cautela que lugares como o Estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal estão flexibilizando o uso desse tipo de proteção contra a Covid-19, por meio de decretos de seus próprios poderes executivos. A medida é bastante lógica e razoável porque a transmissão do vírus e os índices de internação hospitalar e óbitos, felizmente, vêm caindo em todo o País. Por menos que gostemos de ouvir, e é claro que não gostamos, os cientistas cumprem, no entanto, a sua função ética ao alertar sobre a permanência do coronavírus entre nós — e, dessa forma, fica claro que a permissão para a não utilização de máscaras não significa a proibição de usá-las, como já se ouviu de bocas negacionistas. Assim, os fluminenses e os moradores de Brasília que quiseram mostrar o rosto puderam fazê-lo na semana passada, mas tendo ainda de respeitar algumas restrições impostas com responsabilidade e bom-senso pelas autoridades: somente é permitido ficar sem proteção em locais abertos e, evidentemente, sem aglomerações.

Pode ser que as máscaras não tenham vindo para sempre; mas pode ser, também, que não consigamos descartá-las definitivamente

Tanto o Rio de Janeiro quanto Brasília atuam de acordo com o número de pessoas vacinadas entre os seus habitantes — Niterói, por exemplo, tem de comprovar que 75% da população com mais de doze anos tomou pelo menos a primeira dose de imunizante. “Fiquei feliz”, comemora Roberta Campos, 32 anos, atriz que mora na Barra da Tijuca e adora correr nos calçadões — já o fazia com máscara, dá imaginar agora. Já Ana Alvares, secretária de 43 anos, que mora no Grajaú, zona norte carioca, sente-se contente em ver que a vida vai voltando ao compasso normal, mas, pelo menos por enquanto, tem receio de descobrir nariz e boca. Motivo: ela pensa em seu filho e nos familiares idosos: “tenho uma criança de quase dois anos em casa e também pessoas de idade. Eu me sinto protegida com a máscara”.

BRASÍLIA Caminhar sem o item de proteção já é uma realidade: a multa de R$ 2 mil virou passado (Crédito:JAKE SPRINGS)

Em Brasília, onde desde abril se multavam com R$ 2 mil os que saíam às ruas sem se protegerem, essa punição que acaba de cair não foi suficiente para tornar a questão unânime. Está dando para perceber, assim, que o comando é na psique de cada um: medo ou não medo de contaminação. No estado de São Paulo, governado por João Doria, a quem cabe o mérito do pioneirismo na vacinação no Brasil, há critérios já fixados pela Secretaria Estadual da Saúde para atenuar ou não a utilização de máscara a partir do mês que vem. Tais critérios são: média móvel de casos diariamente abaixo de 1,1 mil; média móvel de internações, por dia, abaixo de 300; média móvel de mortes aquém de 50; e 75% da população com cobertura vacinal completa. Se esse conjunto se formar, ainda assim a ausência do protetor valerá para locais abertos e sem aglomerações de pessoas.

Como já foi dito, a questão não é consensual. O professor titular do Instituto de Química da Unicamp e membro da Academia Brasileira de Ciência, Luiz Carlos Dias, opina que ainda não é o momento ideal para a tomada dessa medida. “O correto seria esperar até alcançarmos pelo menos 90% da população imunizada”, diz ele. Ele entende que, devido ao avanço da vacinação, muita gente tem a sensação de que a pandemia terminou, mas “isso está longe de acontecer”. “Para debelar essa doença definitivamente é vital, no entanto, a imunização geral”. No Brasil existem cerca de vinte milhões de pessoas que tomaram a primeira dose, mas não retornaram para tomar a segunda, e esse é um fato que coloca em risco a imunização. Há, porém, no meio acadêmico, discordâncias nas avaliações. Antonio Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, entende que o esquema definido é razoável. “Desde que fique claro à população que o não uso de máscara só vale para lugares naturalmente ventilados”. Segundo Bandeira, nesse momento a doença está recaindo, sobretudo, em quem não se imunizou: “a vacina derruba a taxa de transmissão, mas é importante observarmos que, mesmo ao ar livre, em uma conversa na qual duas pessoas estiverem muito próximas, a máscara faz-se necessária”. Ou seja: pode ser que elas não tenham vindo para sempre, nem possam ser totalmente descartadas.