Em mais um episódio da guerra de facções no sistema prisional brasileiro, após 93 mortes em presídios do Amazonas e de Roraima, pelo menos quatro detentos foram mortos e 8 ficaram feridos na madrugada de domingo na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, no centro de Manaus. Três deles foram decapitados. Para tentar conter a crise no sistema penitenciário, o Ministério da Justiça informou que vai autorizar o envio de ajuda federal para quatro Estados: Rondônia, Mato Grosso, Amazonas e Roraima. Os dois últimos solicitaram a Força Nacional.

Fontes da segurança pública amazonense ouvidas pelo Estado confirmaram que o Primeiro Comando da Capital (PCC) está “caçando” ex-integrantes da Família do Norte (FDN) que agora estão em seus quadros com o objetivo de engrossar a proposta de retaliação, após o massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) do dia 1º, que deixou 56 mortos, a maioria de filiados da facção paulista. A Polícia Civil investiga a hipótese de que as mortes deste domingo possam ser de detentos que teriam feito a “conversão” recentemente entre as duas facções.

Familiares de detentos esperam por informações após uma rebelião que matou ao  menos quatro presos na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, neste domingo (8), em Manaus
Familiares de detentos esperam por informações após uma rebelião que matou ao menos quatro presos na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, neste domingo (8), em Manaus (Crédito:Raphael Alves / AFP)

A polícia também investiga se entre os assassinados estavam membros da FDN que, por estarem em dívida com a própria organização e jurados de morte, tinham preferido ficar na unidade destinada ao PCC. A cadeia, que havia sido fechada no ano passado, foi reativada há uma semana.

Em declaração oficial, porém, o secretário de Administração Penitenciária, Pedro Florêncio, considerou as mortes “incompreensíveis”. “Não houve briga de facção porque todo mundo era do mesmo grupo.”

A Polícia Militar do Amazonas ainda busca dois detentos que não foram encontrados na contagem – e podem estar mortos. Outros supostamente desaparecidos foram achados escondidos em um forro. Douglas Costa Mesquita, de 27 anos, deu entrada no pronto-socorro às 5 horas com ferimento no abdome e passou por cirurgia.

À noite, familiares relataram novo tumulto. Às 21h (horário local), sete detentos feridos foram levados por ambulâncias para os Hospitais 28 de Agosto e João Lúcio. O Estado alegou que seriam vítimas da madrugada, e não de outro motim – e não haveria casos graves. “Os presos falaram que ficaram apanhando de outros internos e por isso precisaram ser removidos. Pedimos reforço da polícia para entrar no presídio e retirar os detentos”, disse Florêncio.

“Foi divulgado que todos aqui eram do PCC, mas não foi bem assim. Estupradores e até quem estava em dívida com a Família preferiu ficar na Vidal Pessoa”, disse Rocinaldo Silva, presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários, que acompanhava os desdobramentos na frente da unidade. Lá, familiares procuravam informações sobre vítimas.

O corregedor-geral do Ministério Público, o procurador José Roque, demonstrou preocupação com a escalada da violência. “Hoje, não há nada que nos garanta que não possam acontecer novas mortes nos presídios”, disse. O Ministério Público expediu recomendação ao governo amazonense para que solicitasse formalmente auxílio federal para “contenção e enfrentamento da crise”, além de apresentar plano estratégico em até cinco dias para desocupação da Vidal Pessoa. O governo do Amazonas informou em nota que à tarde a situação era considerada estável e a cadeia teve o policiamento reforçado pelo Batalhão de Choque.

Governo federal.

Após negar ajuda a Roraima em novembro, o Ministério da Justiça informou no domingo que vai autorizar o envio de auxílio federal para Estados que vivenciam crises no setor penitenciário. Por ora, está definido que serão atendidas solicitações feitas por Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Roraima. O ministro Alexandre de Moraes disse que ainda está em negociação com autoridades de outros governos estaduais.

O Ministério da Justiça explicou que o auxílio será providenciado conforme a necessidade manifestada pelos Estados. Para o Amazonas, por exemplo, será enviado pessoal do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). A ideia é que a equipe faça parte de uma força integrada de atuação, que auxiliará na gestão do sistema prisional – o Ministério Público cobra revisão da gestão terceirizada.

Além disso, o governador do Amazonas, José Melo (PROS), solicitou tropas federais. O mesmo foi feito pela governadora de Roraima, Suely Campos (PP).

Agora, o ministério informou que estão previstos também investimentos para modernizar e dotar as penitenciárias de Rondônia e Mato Grosso de equipamentos de monitoramento. Mato Grosso está em alerta máximo e, segundo o secretário de Segurança, Rogers Jarbas, executa um “plano qualificado de ações para minimizar os riscos de conflitos entre integrantes de facções criminosas, dentro e fora das unidades prisionais”.

Neste caso, a estratégia é evitar que cenas como as que aconteceram em junho do ano passado se repitam. Sob ordens do Comando Vermelho, “soldados” do crime fizeram um “salve geral”, com a queima de vários ônibus na capital e morte de desafetos nas cadeias.

Após visitar o Complexo Penitenciário Anísio Jobim e a Penitenciária Agrícola Monte Cristo (em Roraima), o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Roraima, Lindomar Ferreira Sobrinho, confirmou a possibilidade de novas tensões no Estado e também no Acre e apontou a necessidade de uma reação do governo federal. “Nós estamos em contato com os demais sindicatos do Brasil e as informações que nos chegam é que isso pode se repetir em outros lugares, como Acre e Rondônia. Infelizmente, o ministro (Moraes) diz que está tudo sob controle, mas não está. Vamos vivenciar mais tragédias se o governo federal não tomar uma atitude séria.”

Reunião.

Foi marcada para o dia 17, em Brasília, uma reunião com secretários de todos os Estados e do Distrito Federal para tratar da crise no sistema penitenciário. A reunião só vai acontecer 17 dias depois do primeiro massacre deste ano, em Manaus (AM). O ministério alegou que está em “permanente contato” com as secretarias estaduais, “trocando dados e informações importantes neste momento” e a reunião tratará de “medidas imediatas” para a crise e da implementação do Plano Nacional de Segurança. As informações são do jornal o estado de s. paulo.