Gigante de carros elétricos instalou câmeras e adotou outras medidas para monitorar funcionários após denúncia que levou a interdição de obra e resgate de 163 operários chineses em condições análogas à escravidão.A BYD, líder global na fabricação de veículos elétricos, implementou medidas para vigiar funcionários em sua fábrica em contrução em Camaçari, na Bahia.
De acordo com reportagem da Agência Pública, a empresa instalou câmeras de vigilância nas áreas administrativas e nos galpões da obra. Além disso, cartazes foram fixados proibindo explicitamente a captura de fotografias nesses espaços.
Outra medida adotada foi a instalação de um software capaz de criar uma marca d'água nos documentos compartilhados externamente. Esse sistema registra o nome do funcionário, o equipamento utilizado e a data de criação, permitindo a identificação da origem de eventuais vazamentos.
A iniciativa foi comunicada aos empregados por meio de um e-mail enviado em 18 de dezembro do ano passado, ao qual a Pública teve acesso. Na mensagem, a gigante automotiva informa que o sistema foi desenvolvido pelo "departamento de Tecnologia da Informação da China" e destaca que a medida busca "evitar possíveis vazamentos de informações".
Segundo a reportagem, a BYD instalou 135 câmeras em vários espaços – em muitas ocasiões, mais de um aparelho no mesmo cômodo.
Pessoas ouvidas pela reportagem citaram um clima de "caça às bruxas" para tentar descobrir e punir os supostos responsáveis por denunciar as condições de trabalho insalubres no canteiro de obra da fábrica.
Denúncia de trabalho análogo à escravidão
As ações de vigilância foram adotadas após denúncia feita pela Agência Pública em novembro, que trouxe à tona as condições degradantes enfrentadas por trabalhadores chineses trazidos ao Brasil.
A reportagem revelou que esses operários viviam aglomerados em alojamentos insalubres, com pouca iluminação, e trabalhavam até 12 horas diárias sem equipamentos de proteção individual. Imagens, vídeos e depoimentos mostraram também casos de agressões físicas contra funcionários.
A empresa foi então alvo de ação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que no dia 23 de dezembro interditou a obra e resgatou 163 operários chineses em condições análogas à escravidão.
Após a autuação, o MPT afirmou que os trabalhadores haviam sido vítimas de tráfico internacional de pessoas. Dias depois, o governo brasileiro suspendeu a emissão de vistos de trabalho temporários para a BYD.
No dia 7 de janeiro, o MPT se reuniu em audiência com representantes da BYD e de empresas envolvidas na obra. Segundo o órgão, todos os resgatados já receberam os valores referentes à rescisão dos contratos e retornaram para a China. Ficou pendente a negociação de termo de ajuste de conduta.
Violação de direitos humanos
Nos dormitórios da empreiteira Jinjiang Group, empresa contratada pela BYD para a obra, não havia colchões nas camas, e os poucos banheiros serviam a centenas de trabalhadores.
Os operários também tinham alimentos armazenados sem refrigeração e estavam expostos à intensa radiação solar, "apresentando sinais visíveis de danos à pele".
O MPT ainda acusou as empresas de reter os passaportes dos trabalhadores e de ficar com 60% dos seus salários – os demais 40% seriam pagos em moeda chinesa, para dificultar o abandono do trabalho.
De acordo com a assessoria de imprensa da BYD, a empresa encerrou o contrato com a construtora Jinjiang e contratou uma empresa brasileira para as "adequações necessárias".
A empresa chegou ao Brasil em 2023, com um investimento anunciado de R$ 3 bilhões na nova fábrica no complexo industrial de Camaçari para a produção de carros elétricos, num pedaço de terreno de que já pertenceu à Ford.