Buscas na ‘Vara da Lava Jato’ miram ações de doleiros, caixa de arquivo e ‘festa da cueca’

As buscas realizadas nesta quarta-feira, 3, na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, unidade em que o ex-juiz e senador Sério Moro (União-PR) atuou pela extinta Lava Jato, miraram uma caixa de arquivo amarela e documentos de processos de doleiros e da “festa da cueca”, episódio que teria acontecido em um hotel de Curitiba em 2003 com desembargadores e prostitutas.

A inspeção no berço da Lava Jato foi realizada na manhã desta quarta-feira, 03, por agentes da Polícia Federal (PF), após autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, feita em outubro deste ano. Procurada pelo Estadão, a Justiça Federal em Curitiba informou que não vai se manifestar sobre as diligências desta quarta.

Toffoli determinou que o diretor da 13ª Vara autorizasse o acesso a todos os computadores do local e que fosse informado que as diligências envolvem 12 processos e outros conexos, entre os anos de 2005 e 2019. Ele estabeleceu que fossem acessados inquéritos policiais e acordos de colaboração premiada com todos os anexos e mídias.

A ação decretada por Toffoli nesta quarta determinou acesso aos processos citados nas acusações feitas por Tony Garcia, que foi deputado estadual no Paraná de 1999 a 2002, que envolvem personagens como os doleiros Vinicius Claret (conhecido como Juca Bala) e Dario Messer (conhecido como o “doleiro dos doleiros”), além do empresário chinês Wu Yu Sheng, que foi investigado por supostamente lavar dinheiro para a construtora Odebrecht.

Entre os processos listados estão o da “festa da cueca” e o de uma denúncia de calúnia, difamação e injúria feita por Sérgio Moro contra o advogado Roberto Bertholdo. Em relação a esse processo, houve um pedido especial do ministro para a apreensão de uma “caixa de arquivo amarela” na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba.

Em 2006, Moro, então juiz federal, processou Bertholdo por conta de entrevistas concedidas a veículos de imprensa do Paraná nas quais acusou o ex-magistrado de agir com arbitrariedade, e por ter dito que Moro teria mandado Tony Garcia grampear o então presidente do Tribunal de Contas do Paraná. O advogado chegou a ser condenado, mas teve a punibilidade extinta.

“Nessa caixa estão todos os arquivos físicos, como disquetes, daquilo que produzi quando trabalhei para ele (Moro). São mais de 400 horas de gravações”, contou Tony Garcia ao Estadão. Segundo ele, a fita da “festa da cueca” também está entre os arquivos. “Foi depois de pedidos nossos que localizaram a caixa”, afirmou Garcia.

‘Festa da cueca’

De acordo com Garcia, a festa teria acontecido em 19 de novembro de 2003, dia que a Seleção Brasileira empatou por 3 a 3 contra o Uruguai em partida válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2006. “Foram oito ou nove desembargadores para o hotel para essa festa com prostitutas”, disse.

Garcia contou também que um sócio do advogado Roberto Bertholdo teria registrado parte da festa com uma câmera escondida no prendedor da gravata. Essas supostas imagens teriam sido usadas como instrumento de chantagem, pressão judicial e manipulação de decisões.

‘infiltrado’

Tony Garcia afirma que Moro o coagiu a fazer gravações ilegais contra autoridades. Garcia diz ter agido como “infiltrado” de Moro desde o caso Banestado, no final de 2004, até a Lava Jato, que terminou em 2021.

Em 2023, Toffoli suspendeu os processos ligados a Tony Garcia em trâmite na 13ª Vara Federal de Curitiba. Os autos foram enviados ao gabinete do ministro, que, em movimentação semelhante, também analisa todos os processos envolvendo o advogado Rodrigo Tacla Duran.

Tanto Tony como Tacla Duran fizeram acusações contra os artífices da Operação Lava Jato, o senador Sérgio Moro e o deputado cassado Deltan Dallagnol. Enquanto Tacla, que foi investigado na Lava Jato sob suspeita de ser operador de propinas da Odebrecht mas nunca foi condenado, acusa Moro e Deltan de suposta ligação com um esquema de extorsão, o empresário Tony Garcia diz ter agido como ‘delator infiltrado’ sob ordens dos ex-chefes da Lava Jato. Moro nega irregularidades. O Estadão tenta contato com Deltan.

Tony Garcia fechou delação premiada com Ministério Público Federal, sendo o acordo homologado pelo então juiz Sérgio Moro. Os relatos levaram por exemplo à prisão do ex-governador Beto Richa, na Operação Radio Patrulha. Garcia afirmou ter “trabalhado” por mais de dois anos como “colaborador infiltrado no meio político e empresarial por força de um acordo de colaboração premiada”.

Em janeiro de 2024, o ministro do Supremo determinou a abertura de uma investigação para apurar se Moro cometeu abusos no acordo de colaboração premiada de Tony Garcia. Na época, Moro informou que desconhecia a decisão e afirmou que “não houve qualquer irregularidade no processo de quase 20 anos atrás”.

O acordo de colaboração do empresário permaneceu anos sob sigilo na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Os autos foram encaminhados ao STF quando o juiz Eduardo Appio, crítico declarado dos métodos da Lava Jato, assumiu os processos remanescentes da operação. Ele enviou o caso ao Supremo para a investigação de supostas irregularidades denunciadas pela defesa.

Tony Garcia fechou a primeira delação na esteira de uma investigação sobre fraudes do Consórcio Garibaldi, – antes, portanto, do nascimento da Lava Jato. Ele afirma, no entanto, que foi usado por Sérgio Moro para investigar juízes, desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em casos que não tinham relação com o processo.

O que diz Moro

Em nota, Sérgio Moro afirmou que não teve acesso aos autos do inquérito, “instaurado com base em um relato fantasioso de Tony Garcia”, segundo o senador.

“Não houve qualquer irregularidade no processo de quase 20 anos atrás que levou à condenação de Tony Garcia por ter se apropriado de recursos de consorciados do Consórcio Garibaldi. Como o próprio PGR afirmou, não há causa para competência do STF no inquérito, já que não há sob investigação ato praticado por Sergio Moro na condição de senador ou ministro”, afirmou a defesa do ex-juiz.