O ano passado foi marcado por número recorde de pessoas que pediram demissão de seus empregos com carteira assinada — 7,3 milhões, segundo o Ministério do Trabalho. Entre os que permaneceram nos postos, a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) estima que 30% sofram da Síndrome de BurnOut, que é a doença de esgotamento físico e mental devido ao excesso de volume laboral. E é um terceiro índice, ainda desconhecido em sua dimensão exata, mas sabidamente grande, que preocupa quem participa do universo corporativo: aqueles que sofrem de BurnOn, uma condição que precede a exaustão total, silenciosa e de difícil percepção para quem está em volta, e que mina diariamente a saúde de quem a enfrenta.

O BurnOut ganhou popularidade nos últimos anos pela propagação grande de casos. Mas há um grande contingente de trabalhadores que ficam no limite, vivendo as rotinas com sofrimento oculto, a quem não tinha sido dado nome.

Até que dois alemães, o psicoterapeuta Timo Schiele e o psiquiatra Bert te Wildt, lançaram o livro BurnOn: Sempre à beira do BurnOut – O sofrimento não reconhecido e o que ajuda a combatê-lo, ainda sem edição brasileira. Segundo os dois, a condição amplamente conhecida caracteriza-se pelo esgotamento depressivo agudo, enquanto esta nova que propõem assume um quadro crônico e persistente. “Os pacientes estão sempre à beira de um colapso, mas continuam e cultivam, por trás de um sorriso, um tipo diferente de exaustão e depressão”, justificou Te Wildt no lançamento da obra.

O resultado de estar à beira do colapso é que a pessoa segue produtiva em modo cognitivamente confinado ao trabalho, mas adquire vazio emocional e depressão no lidar com a vida privada que torna o quadro tão perigoso quanto se houvesse crise aguda.

Profissionais da saúde apontam o clima de alta concorrência, cobrança por desempenho, obrigações além do expediente pré-estabelecido e até assédio moral como principais vilões nos dois casos.

“Também noto grandes executivos relatarem que não podem delegar funções ou descansar o quanto deveriam, esperando medicações milagrosas para conseguirem se manter alertas, focados, com sintomas ansiosos controlados, enquanto seguem em ritmo frenético de produção”, diz Maria Eduarda Puppi Bernardi, psiquiatra da Clínica Maia.

BurnOn é a nova ameaça corporativa: conheça a condição que antecede o BurnOut
(Divulgação)

“Será que estamos sendo sustentáveis ou criando caminhos para competitividade, exploração e autoritarismo?.”
Maria Homem, psicanalista

Apesar de significar uma situação limite para muitas pessoas, a psicanalista Maria Homem enxerga de forma otimista a revelação e conscientização da situação, no que chama de “luto do herói onipotente”. “É de certa forma um momento bom, pois temos que sair dos ideais falsos sobre o que deveríamos ser e suportar. Vejo crescimento grande, mesmo no círculo de amigos, que mostra que não podemos viver nesse lugar de onipotência, do ego que dará conta de todas as missões”, diz.

Já a comunicadora Izabella Camargo, que sofreu episódio de BurnOut durante transmissão ao vivo na TV e virou porta-voz da causa desde então, enxerga com certa desconfiança a definição de desmembramento da condição em nova síndrome. “Vejo o BurnOn como caminho ou consequência do BurnOut. É o que costumo chamar de ‘presenteísmo’, quando ‘a luz está acesa mas não tem ninguém em casa’”, diz. “Mas não adianta ficar criando neologismos (BurnOn) para fugir de problemas antigos (BurnOut)”, conclui.

BurnOn é a nova ameaça corporativa: conheça a condição que antecede o BurnOut
A comunicadora Izabella Camargo lançou campanha para que as empresas adotem equipamentos de proteção individual para a saúde mental dos trabalhadores (Crédito:Divulgação )
BurnOn é a nova ameaça corporativa: conheça a condição que antecede o BurnOut
(Divulgação)

Nos últimos seis anos, desde que teve o apagão em telejornal, Izabella lançou livro sobre a condição — Dá um tempo!: como encontrar limite em um mundo sem limites (2020) —, prepara um segundo para este ano, dá palestras e recentemente lançou manifesto para adoção de EPIs (equipamentos de proteção individual) para saúde mental.

“Em uma indústria com risco de queda, os funcionários precisam usar botas de borracha. Numa gráfica, em que as impressoras são barulhentas, é obrigatório protetor auricular para evitar problemas auditivos. Agora, se os problemas relacionados à saúde mental já fazem parte das três principais causas de afastamento do trabalho, cadê os EPIs desta?”, justifica.

Ela teve a ideia em 2023 sobre como poderia jogar luz aos dados existentes e trabalhar contra fatores adoecedores não visíveis ou ignorados por falta de informação. “Nessa questão não há concorrência ou competição; há soma de informações para menos preconceitos e prejuízos. O manifesto não tem cor ou partido. Só tem uma direção: a do diálogo em torno de um assunto que não dá mais para ser ignorado.”

Exemplo prático de EPI foi adotada pela empresa de urbanismo E-mais, de São José do Rio Preto (SP). Para evitar interrupções no trabalho, passaram a usar as bolachas das churrascarias, que alertam se o serviço de carnes deve continuar ou parar, para avisarem colegas a condição de ocupado (vermelho) ou disponível (verde), já que a quebra de raciocínio e perda de concentração estavam entre as reclamações mais constantes dos funcionários. Na briga pela defesa da saúde mental, vale tudo.