Bukele na CPI do Crime Organizado? Entenda como isso pode acontecer

Senador Magno Malta (PL-ES) pediu convocação do presidente de El Salvador para falar de estratégias adotadas no combate a facções

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele

O senador Magno Malta (PL-ES), integrante da CPI do Crime Organizado, instaurada no Congresso após a megaoperação policial contra o Comando Vermelho que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro, apresentou um requerimento para que Nayib Bukele, presidente de El Salvador, seja ouvido na comissão.

Segundo o parlamentar, o objetivo seria ouvi-lo a respeito de estratégias adotadas e resultados obtidos no enfrentamento às facções criminosas em El Salvador. No poder desde 2019, o salvadorenho implementou um regime de Estado de exceção, com prisões arbitrárias e redução de direitos, mas reduziu drasticamente os índices de criminalidade e violência do país e se tornou um modelo para parte da direita brasileira, com menções de políticos como o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o governador Romeu Zema (Novo-MG).

Para que o convite aconteça, não basta a aprovação dos integrantes da CPI. Por se tratar de um chefe de Estado estrangeiro, a proposta deve ser enviada à presidência do Senado, que por sua vez encaminha ao Ministério das Relações Exteriores, responsável pela comunicação com outros governos.

Quem é Nayib Bukele

Sustentado pelo discurso de rejeição da política, Bukele era um jovem empresário quando foi eleito prefeito da pequena cidade de Nuevo Cuscatlán, em 2012. Chegou ao mesmo cargo, mas na capital San Salvador, em 2015 e, em uma ascenção meteórica, elegeu-se presidente em 2019, com 38 anos e 54% dos votos. Foi o primeiro a chegar ao cargo desde José Napoleón Duarte, em 1984, que não era filiado aos dois principais partidos do país, responsáveis por essa “polarização” que não se dissociava o poder de suas lideranças tradicionais.

Sua legenda, a ‘Nuevas Ideias’, foi fundada apenas em 2017 e gira em torno do próprio Bukele. Em fevereiro deste ano, o presidente foi reeleito por ela com 85% dos votos e, novamente, distante das legendas e líderes que haviam se consolidado. “A população vê Bukele como um líder disruptivo, que rompeu com a política tradicional“, disse à IstoÉ a jornalista salvadorenha Claudia Palacios, que cobre a política local no jornal “Focos”.

A redução dos índices de criminalidade da nação, historicamente assolada pela ação de facções criminosas, é a principal vitrine do governo de Bukele, mas veio a custo da implementação de um estado de exceção em março de 2022. Desde então, o Executivo adota medidas sem base constitucional ou aval de outros Poderes, como prisões sem ordem judicial, sob a prerrogativa de uma circunstância emergencial — no caso, a criminalidade desenfreada.

Reynaldo Santos mostra em sua casa em Soyapango, no dia 25 de outubro de 2024, documentos e uma foto de seu filho Jonathan, preso no estado de exceção imposto em El Salvador para combater gangues - AFP

Em Soyapango, Reynaldo Santos mostra documentos e uma foto de seu filho Jonathan, preso no estado de exceção imposto em El Salvador para combater gangues – AFP

No período, foram mais de 70 mil detenções, com denúncias de prisões arbitrárias e violações de direitos dos presos. O jornal Folha de S. Paulo reportou que José Antonio, um taxista que está na cadeia sem justificativa clara, não tem direito a visitas de familiares, eles também não têm acesso a informações sobre seu estado de saúde — casos como esse são repetidos no país.

O regime de exceção, contudo, não foi o primeiro sinal de autoritarismo do presidente. Em fevereiro de 2020, quando o Congresso votava a aprovação de um empréstimo de US$ 109 milhões do Banco Centro-americano de Integração Econômica para implementar um plano de segurança pública do governo, Bukele entrou na Casa acompanhado de soldados armados, em tom de ameaça à oposição.

“Bukele fechou as portas a opiniões contrárias. Vozes críticas são atacadas nas redes sociais e nenhuma entidade ou partido de oposição têm participação na tomada de decisões do governo, que está controlado pelo presidente, seus irmãos e um grupo de assessores próximos”, disse Palacios. “A cobertura de imprensa é limitada e não há transparência quanto a medidas da gestão. Não há como acessar, por exemplo, a íntegra de registros de homicídios, feminicídios e delitos de forma geral“, relatou a jornalista ao site IstoÉ. O político ironiza os relatos e é autodenominado “ditador mais legal do mundo”.

Apesar das violações constitucionais e dos direitos humanos, a popularidade de Bukele fica na casa dos 80%, de acordo com os principais institutos de pesquisa salvadorenhos. O ‘código’ dessa aparente contradição, segundo Palacios, não é tão complexo: “As pessoas têm priorizado a melhora no sentimento de segurança. Ainda que tenha meios questionáveis para isso, Bukele deu aos salvadorenhos o que nenhum político havia dado: livrou-os das gangues. Termos como ‘direitos humanos’ e ‘Estado democrático de direito’ são quase abstrações para o povo, que quer um líder que entregue resultados efetivos”.