Pablo Marçal (PRTB) passou dois dias em El Salvador, na América Central, a um mês do primeiro turno das eleições para a prefeitura de São Paulo, em que concorre. O movimento chamou atenção, mas é coerente com a estratégia adotada pelo ex-coach em território político até então.

+Boulos (23%), Marçal (22%) e Nunes (22%) se mantêm empatados, diz Datafolha

De acordo com sua campanha, Marçal viajou para “buscar soluções eficazes para enfrentar o crescente problema da criminalidade em São Paulo”. No perfil criado no Instagram após a suspensão de suas contas oficiais pela Justiça Eleitoral, o candidato se comunicou mais ao agrado de seus admiradores: “Vim atrás dos códigos da Segurança Pública”.

“Sabe o que eu estou fazendo aqui [em El Salvador]? Aprendendo para tirar a maior dor dos paulistanos e dos brasileiros: Segurança Pública. Esse cara, Bukele, ele foi prefeito, é um cara influente nas redes sociais, e virou presidente. Eles [salvadorenhos] estão há 695 dias sem homicídios, o que faz desse país o mais seguro do hemisfério Sul”, disse Marçal, em vídeo publicado correndo na esteira.

Sem disfarçar a tentativa de comparação, o candidato do PRTB descreveu Nayib Bukele, presidente de El Salvador, destacando pontos semelhantes entre os dois. Mas quem é esse mandatário de um país que fica a mais de 6 mil quilômetros de São Paulo? E por que essa visita importa para a eleição paulistana?

+A estratégia digital de Pablo Marçal e seus prejuízos para o debate público

1) Ruptura com a política tradicional

“Bukele partiu de uma ideia de que não existiria esquerda nem direita, mas passado e futuro, e que ele seria o futuro. Ele se coloca como um político que rompe a polarização entre os principais partidos do país“, disse Isabela Kalil, professora de antropologia da Fesp-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política) e coordenadora do Observatório da Extrema Direita, ao site IstoÉ.

Sustentado por esse discurso, Bukele era um jovem empresário quando foi eleito prefeito da pequena cidade de Nuevo Cuscatlán, em 2012. Chegou ao mesmo cargo, mas na capital San Salvador, em 2015 e, em uma ascenção meteórica, elegeu-se presidente em 2019, com 38 anos e 54% dos votos. Foi o primeiro a chegar ao cargo desde José Napoleón Duarte, em 1984, que não era filiado aos dois principais partidos do país, responsáveis por essa “polarização” que não se dissociava o poder de suas lideranças tradicionais.

Sua legenda, a ‘Nuevas Ideias’, foi fundada apenas em 2017 e gira em torno do próprio Bukele. Em fevereiro deste ano, o presidente foi reeleito por ela com 85% dos votos e, novamente, distante das legendas e líderes que haviam se consolidado. “A população vê Bukele como um líder disruptivo, que rompeu com a política tradicional“, disse ao site IstoÉ a jornalista salvadorenha Claudia Palacios, que cobre a política local no jornal “Focos”.

De boné para trás, o presidente salvadorenho Nayib Bukele concede coletiva de imprensa: informalidade marca trajetória pública | AFP
De boné para trás, o presidente salvadorenho Nayib Bukele concede coletiva de imprensa: informalidade marca trajetória pública | AFP

2) Comunicação nas redes

Bukele tem 7,3 milhões de seguidores no Instagram e 8,6 milhões no TikTok — El Salvador tem cerca de 6,3 milhões de habitantes –, plataformas onde são populares os formatos de “cortes”, os vídeos curtos e diretos pelos quais Marçal também é conhecido. Nas publicações, aparece sem terno e adota uma linguagem menos formal, mesmo em pronunciamentos oficiais, o que reforça a ruptura com o poder tradicional. “O presidente gera simpatia nos cidadãos porque se comunica com eles por meio das redes sociais, de forma direta e informal”, relatou Palacios.

Em alguns de seus posts mais populares das últimas semanas, Bukele compartilhou em tom jocoso um vídeo em que o ditador venezuelano Nicolás Maduro lhe chama de “assassino” (18,5 milhões de visualizações) e outro em que prisioneiros são transferidos entre cadeias de El Salvador (15,3 milhões). Na cena, com uma trilha de adrenalina, policiais impõem autoridade sobre os detentos, cujos rostos são expostos claramente.

“Bukele se apresenta como ‘o futuro’, uma alternativa além de ideologias e disputas partidárias, e apela ao discurso da ordem e combate ao crime. Tudo isso encontra ressonância no ambiente digital”, disse Isabela Kalil. “Além disso, ele usa boné, roupas informais, constrói uma figura distinta em um cenário de esgotamento da política tradicional. São inovações não apenas estéticas, mas de conteúdo“, concluiu a pesquisadora.

3) Mais segurança, menos direitos

A manchete de um jornal salvadorenho exibida por Marçal em suas redes diz que o país está há “695 dias sem homicídios”. A redução dos índices de criminalidade da nação, historicamente assolada pela ação de facções criminosas, é a principal vitrine do governo de Bukele, mas veio a custo da implementação de um estado de exceção em março de 2022. Desde então, o Executivo adota medidas sem base constitucional ou aval de outros Poderes, como prisões sem ordem judicial, sob a prerrogativa de uma circunstância emergencial — no caso, a criminalidade desenfreada.

No período, foram mais de 70 mil detenções, com denúncias de prisões arbitrárias e violações de direitos dos presos. O jornal Folha de S. Paulo reportou que José Antonio, um taxista que está na cadeia sem justificativa clara, não tem direito a visitas de familiares, eles também não têm acesso a informações sobre seu estado de saúde — casos como esse são repetidos no país.

O regime de exceção, contudo, não foi o primeiro sinal de autoritarismo do presidente. Em fevereiro de 2020, quando o Congresso votava a aprovação de um empréstimo de US$ 109 milhões do Banco Centro-americano de Integração Econômica para implementar um plano de segurança pública do governo, Bukele entrou na Casa acompanhado de soldados armados, em tom de ameaça à oposição.

“Bukele fechou as portas a opiniões contrárias. Vozes críticas são atacadas nas redes sociais e nenhuma entidade ou partido de oposição têm participação na tomada de decisões do governo, que está controlado pelo presidente, seus irmãos e um grupo de assessores próximos”, disse Palacios. “A cobertura de imprensa é limitada e não há transparência quanto a medidas da gestão. Não há como acessar, por exemplo, a íntegra de registros de homicídios, feminicídios e delitos de forma geral“, relatou a jornalista ao site IstoÉ. O político ironiza os relatos e é autodenominado “ditador mais legal do mundo”.

Salvadorenho exibe retrato de um dos presos em El Salvador: sob Nayib Bukele, familiares perderam direito a visitar presidiários | AFP
Salvadorenho exibe retrato de um dos presos em El Salvador: sob Nayib Bukele, familiares perderam direito a visitar presidiários | AFP

4) Referência para a direita

Apesar das violações constitucionais e dos direitos humanos, a popularidade de Bukele fica na casa dos 80%, de acordo com os principais institutos de pesquisa salvadorenhos. O ‘código’ dessa aparente contradição, segundo Palacios, não é tão complexo: “As pessoas têm priorizado a melhora no sentimento de segurança. Ainda que tenha meios questionáveis para isso, Bukele deu aos salvadorenhos o que nenhum político havia dado: livrou-os das gangues. Termos como ‘direitos humanos’ e ‘Estado democrático de direito’ são quase abstrações para o povo, que quer um líder que entregue resultados efetivos“.

O respaldo popular e a capacidade de comunicar ações concretas colocaram o mandatário no caminho das referências internacionais de lideranças da direita à extrema direita. Em um Brasil também impactado pela criminalidade, a ‘linha dura’ na segurança pública — ainda que a troco de excessos — ganha espaço no debate público e dita o discurso de dezenas de candidatos às prefeituras pelo país. “O chamado ‘populismo penal’ encontra muita ressonância quando a segurança é uma demanda clara da população“, disse Isabela Kalil.

Para a pesquisadora, Bukele pertence ao campo ideológico que chama de “direita radical”, cujos integrantes “tensionam os limites institucionais da democracia, mas não chegam a rompê-los”. Mas ela interpretou como um sinal relevante tenha participado da Cpac (Conferência de Ação Política Conservadora), promovida em Balneário Camboriú em julho, ao lado de políticos como Jair Bolsonaro (PL) e o presidente da Argentina, Javier Milei. “O evento passou a abrigar cada vez mais elementos de extrema direita, como teorias conspiratórias”, afirmou.

Embora tenha se tornado um “novo modelo” para a direita, Bukele não tem raízes fincadas nesse espectro. “Antes de chegar à Presidência, ele era um político com ideias progressistas: apoiou a comunidade LGBTQIA+, respaldou mulheres criminalizadas por praticar aborto (proibido em qualquer circunstância no país) e criticou a militarização da segurança pública promovida por governos passados. Bukele abraçou os princípios do conservadorismo e do autoritarismo por conveniência política“, relatou Claudia Palacios.