No mês de junho, quem passasse pela rua da Consolação, em São Paulo, era surpreendido com projeções da comediante Bruna Louise nas laterais de grandes prédios com a expressão #FogoNoPatriarcado. A reivindicação da humorista fez parte de uma ação para divulgar uma “demolição de tabus e crenças e inseguranças”.

Arrebentando a crença machista de que mulher não é engraçada, Bruna se tornou a primeira comediante a lançar um solo de stand-up comedy na Netflix: Demolição foi lançado dia 22 de junho na plataforma de streaming.

Em entrevista ao Estadão, a artista paranaense de 37 anos explica que o nome de seu show foi idealizado a partir de duas perspectivas: social e individual. “Trata-se de uma demolição dos tabus de ser uma mulher em cima de um palco, de ter uma mulher fazendo um stand-up, ir contra o mito de que não somos engraçadas e do sabor que é ser uma mulher no maior streaming do mundo”, explica.

“O segundo ponto é justamente a demolição das minhas crenças e inseguranças, é a quebra dessas verdades, que me fez continuar e ir tão longe. Porque, infelizmente, a gente é criada para não acreditar muito em si”, completa Bruna, hoje com mais de 16 milhões de seguidores nas redes sociais.

No show, ela passa todo o tempo sozinha, em um tablado gigante – onde se alternam sua voz e as risadas vindas de todas as mesas. Ela fala sobre a vida, ao mesmo passo que destrói tudo com muita ousadia e inteligência. Em um stand-up de rir até “doer a barriga”, a humorista conta sobre suas relações, divide traumas do abandono paterno e o desenrolar dessa etapa que viveu.

Além dos temas mencionados, Bruna também levanta um questionamento sobre o mito de Adão e Eva e os impactos disso para o desenvolvimento de sentimentos de culpa comumente vivenciado pelas mulheres.

SHOW E VIDA

“O meu show surgiu da minha vida, então ou estou falando de uma coisa que acabou de me acontecer ou estou me questionando naquele momento. Por exemplo, nesse solo da Netflix, falo de abandono paterno, de quando fui conhecer meu pai, histórias da minha família, minha sobrinha – em suma, questões muito pessoais”, acrescenta.

A comediante se descreve como encantadora, ácida e sarcástica e explica que, no seu trabalho, usa a técnica de storytelling (contação de histórias) aliada à comédia. Para ela, além de entreter o público, esse aspecto pessoal na narrativa das histórias também gera uma identificação.

“Na verdade, essa questão da maturidade cômica é uma coisa que só vem com a experiência de palco. Tenho 12 anos de comédia, mas os últimos foram muito intensos. É a maneira de a gente encontrar nossa real persona. Eu, por acaso, sou muito parecida tanto no palco quanto na vida e tenho essa acidez, cutucadinha no deboche e um pouco de ironia”, conta.

Ao comentar a ação nos prédios de São Paulo, a humorista alega que seu stand-up é, sim, feminista, porém, justamente por ser baseado em vivências pessoais, ela não o enxerga como um manifesto. “Não estou falando das dores e lugares a que não pertenço, mas o fogo no patriarcado é sobre não aguentar mais, né? Não aguentar ser submissa dos machos”, reflete.

Mesmo partindo de uma perspectiva individual, Bruna reconhece a importância de ser a primeira mulher a ter um solo de stand-up na Netflix: “Espero que meu trabalho abra mais portas para as humoristas. O fato de ter uma mulher lotando teatros talvez incentive outras. Além disso, espero que incentive quem gosta de mim a curtir outras mulheres”.

Por fim, ela avalia os impactos de sua representatividade para alguns humoristas homens que se valem de piadas para perpetuar o machismo. “Na verdade, acho que essas piadinhas estão diminuindo cada vez mais, porque estamos rindo cada vez menos”, diz. “Quando a gente ridiculariza o cara que faz essas piadas, talvez faça com que ele repense. Para as mulheres que estão na plateia, é justamente essa coisa de chega de ridicularizar a gente, vamos ridicularizá-los. Quero que as mulheres se sintam representadas mesmo.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.