O governo de Minas e a Vale iniciaram a negociação de acordo sigiloso que exclui da discussão os atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Os advogados dos representantes das famílias das vítimas e comunidades afetadas alegam que, se firmado, o acordo levará a mineradora a economizar cerca de R$ 24 bilhões ante o último cálculo de indenização. A empresa e o Estado confirmam a negociação, mas não dizem por que os atingidos não participam da discussão nem revelam o novo valor.

A Vale e o governo dizem apenas que a quantia é uma contraproposta à indenização estipulada inicialmente. O rompimento da barragem de Brumadinho ocorreu em 25 de janeiro de 2019 e deixou 272 mortos. Onze corpos continuam desaparecidos.

No último dia 4, um despacho do desembargador Newton Carvalho, do Tribunal de Justiça mineiro, decretou sigilo sobre essa negociação em curso. Na quinta, 12, o tribunal derrubou a decisão, mas, mesmo assim, os dados continuam em segredo.

Segundo o Instituto Guaicuy, que dá assessoria técnica independente às pessoas e comunidades atingidas, não houve acesso aos documentos até a quinta à noite. As associações que representam as vítimas dizem que a Justiça manteve a confidencialidade do documento, o que permite a consulta dos materiais só pelas partes envolvidas – e as famílias estão excluídas do processo.

Advogados que tiveram acesso a dados iniciais das negociações disseram que o governo de Minas e a Vale estariam fechando proposta de acordo de R$ 28 bilhões, dos quais R$ 21,5 bi seriam para obras na Bacia do Paraopeba e R$ 3 bilhões iriam para investimentos sociais no terceiro setor coordenados pelo Ministério Público de Minas (MP-MG). Outros R$ 3,5 bilhões seriam separados para o governo do Estado.

O Guaicuy afirma que o acordo, “feito a portas fechadas entre o governo e a Vale”, desconsidera a produção de relatórios que apontavam para a necessidade de indenização bem maior, de R$ 54 bilhões.

“Na prática, o acordo será feito sem o conhecimento da dimensão completa dos prejuízos provocados pelo desastre”, destacou o Guaicuy, em nota enviada à reportagem.

Para o advogado Pedro Andrade, especialista em Direito Popular do Guaicuy, “a Constituição não só diz que a população tem direito de participar dos acordos em desastres ambientais como afirma que os atos judiciais nesses casos devem ser públicos, salvo em casos muitos específicos”.

Em 28 de agosto, o MP-MG, a Defensoria e o próprio governo de Minas pediram que a mineradora fosse condenada a indenizar o Estado por perdas econômicas de R$ 26,6 bilhões e a pagar indenização por danos morais coletivos e sociais calculados em R$ 28 bilhões. Caso a multinacional e o governo fechem este novo acordo, o valor inicialmente previsto seria, na prática, descartado.

Exclusão

O doutor em Direito Constitucional José Luiz Quadros de Magalhães, professor da Universidade Federal de Minas (UFMG) e da PUC Minas, classificou como “absurdo jurídico” a negociação sigilosa. “Isso é um acordo lamentável, pelo segredo e pela exclusão das pessoas interessadas. Absurdo jurídico, moral e humano”, criticou ele.

Ainda sem definição sobre valores

A Vale confirmou que tem conversado com o governo de Minas e instituições de Justiça federais e estaduais, “visando a um possível acordo em benefício de todo o Estado e especialmente das populações de Brumadinho e municípios impactados da calha do rio Paraopeba”.

A empresa, porém, disse que só dará mais informações nos autos do processo, que corre em sigilo. “Ainda não há definição de valores para um eventual acordo”, destacou.

O Executivo mineiro também admitiu que negocia acordo, mediado pelo TJ de Minas, com a mineradora, a título de reparação de danos socioeconômicos e socioambientais causados pelo rompimento da barragem. Ministério Público e a Defensoria de Minas participam do acordo.

Conforme o governo, em petição conjunta apresentada em agosto passado, da qual também foram signatários o MP Federal, a Defensoria da União e a AGU, foi apresentado pedido total de R$ 54,6 bilhões, sendo R$ 28 bi por danos morais coletivos e sociais e R$ 26,6 bi a título de compensação à sociedade mineira”.

Em outubro, no entanto, houve, segundo o governo, uma primeira audiência de conciliação no Poder Judiciário. “A Vale apresentou contraproposta – no momento, sob segredo de justiça. O governo e instituições jurídicas apresentaram petição solicitando a quebra do sigilo.”

Segundo o governo de Minas, os “valores de projetos e destinação” mencionados, pelos advogados das associações de atingidos, “não condizem” com a contraproposta apresentada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Comunicado oficial do Governo de Minas

 

Sobre tratativas de acordo com a empresa Vale, o Governo de Minas informa que:

 

Não se trata de acordo sigiloso. Uma primeira audiência de conciliação no Tribunal de Justiça foi realizada em 22 de outubro, após a qual representantes do Estado prestaram esclarecimentos à imprensa, inclusive. Após essa audiência, a empresa Vale enviou sua proposta, que foi colocada inicialmente sob segredo de justiça, quebrado na última quinta (12).

 

O pedido de quebra do sigilo em relação à proposta foi peticionado pelo Governo do Estado ao Tribunal de Justiça, por meio da Advocacia-Geral do Estado (AGE), pela Advocacia-Geral do União, pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Público de Minas Gerais, pela Defensoria Pública de Minas Gerais e pela Defensoria Pública da União.

 

Apenas nas duas últimas semanas, foram três audiências públicas realizadas sobre o tema, sendo duas na Assembleia Legislativa do Estado e uma de forma online, com participação de milhares de atingidos, com pico superior a 1.700 acessos simultâneos, além de reunião com movimentos sociais.

 

– Caso o acordo seja firmado, parte dos projetos SERÃO DECIDIDOS DIRETAMENTE PELAS COMUNIDADES ATINGIDAS, COM AMPLO PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO.

 

Periodicamente, o governador recebe atingidos representados por associação de familiares de vítimas e atingidos, tendo o último encontro sido realizado em 21 de outubro.

 

As tratativas por um acordo buscam evitar uma batalha jurídica de anos ou décadas, iniciando a reparação de danos socioambientais imediatamente.

 

Trata-se de uma ação envolvendo danos coletivos econômicos e sociais causados ao Estado, não interferindo em ações sobre direitos individuais dos atingidos. As ações individuais constituem processos à parte.

 

Em relação à proposta feita pela empresa, o Governo de Minas esclarece que a considera insuficiente em razão do volume dos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem. A mediação buscará avançar para valores compatíveis e proporcionais aos danos sofridos.

 

O pedido de reparação de R$ 54,6 bilhões foi feito em conjunto por Governo do Estado, por meio da AGE, Ministério Público do Estado, Defensoria Pública do Estado, Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e a Advocacia-Geral da União.

 

Os recursos serão destinados a contas específicas para aplicação em projetos que priorizam a região diretamente atingida, caso o acordo seja firmado em especial nas áreas de Saúde, Educação, Assistência social, Saneamento básico e Mobilidade.

 

O Poder Público do Estado de Minas Gerais está presente na região atingida prestando apoio à população desde o dia do rompimento e em diálogo com as comunidades, por meio das secretarias de estado, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil, da Ouvidoria do Estado, do MPMG e da DPE. O Corpo de Bombeiros atua ainda hoje na busca por corpos de desaparecidos.

 

– Pelo exposto, fica claro que um eventual acordo acrescentaria obrigações à Vale, sem qualquer concessão e obrigando-a a iniciar um processo de reparação que poderia levar anos para ser iniciado.