RESUMO

• Com avaliação em declínio, presidente convoca o primeiro escalão do governo
• Impaciente, cobra mais eficiência e melhor comunicação das ações nos ministérios, que estão batendo cabeça.
• O clima tenso e o tom duro das exigências do mandatário dominaram a reunião
• Ministra da Saúde, Nísia Trindade, saiu chorando

Em clima tenso e recheado por confusões e cobrança por resultados, a primeira reunião ministerial do governo neste ano de 2024, sob comando de Lula, esteve perto de terminar com a demissão de alguns colaboradores diretos do presidente, com os quais o mandatário perdeu a paciência, acusando-os baixa produtividade no trabalho e atribuindo-lhes responsabilidades por sua queda de popularidade.

Longe das tradicionais reuniões de cunho institucional que o presidente costumava impor para alinhar as estratégias de governo, quase sempre descontraídas, como as registradas desde janeiro do ano passado quando assumiu o terceiro mandato, e também nos dois primeiros governos, o petista mostrou-se pouco amistoso no encontro realizado na segunda-feira, 18, no Palácio do Planalto.

Mais do que um debate sobre a gestão e redefinição de estratégias, Lula fez cobranças de forma incisiva e dura como poucas vezes o fizera.

Chegou a censurar publicamente os ministros que ele considera não estarem tendo um bom desempenho, e sobraram farpas para:
Rui Costa (Casa Civil),
Alexandre Padilha (Relações Institucionais),
Fernando Haddad (Fazenda),
Ricardo Lewandowiski (Justiça e Segurança Pública)
e, sobretudo, para Nísia Trindade (Saúde), que chegou a chorar após as criticas do presidente.

“Sabemos que ainda tem muito por fazer, mas precisamos fazer mais Presidente.”
Lula na reunião ministerial

Agindo com seus principais colaboradores como se fosse o CEO de uma empresa que precisa apresentar resultados e que exige mudanças na postura dos subordinados quando o faturamento está em queda, o presidente exortou os ministros a colocarem o “pé na estrada” para mostrar nos estados o que o governo está fazendo em sua gestão, principalmente nas áreas sociais, como forma de ele melhorar sua imagem e recuperar a popularidade perdida nos últimos meses.

E o que se viu na reunião e foi um grupo formado pelos principais ministros numa grande bateção de cabeça.

RECALCULANDO A ROTA

• MINHA CASA MINHA VIDA
Investir mais no programa habitacional e entregar mais unidades

• SALÁRIO MÍNIMO
Explorar o aumento real e maior poder de compra

• INFLAÇÃO
Medidas para conter o aumento dos preços dos alimentos

• MAIS CRÉDITO
Facilidades para ampliar acesso ao crédito

Lula é conhecido por sua habilidade como estrategista político e optou por ele mesmo ser bombeiro em várias situações nos últimos meses. Para melhorar o relacionamento com a Câmara dos Deputados e acalmar Arthur Lira (PP-AL), que anda insatisfeito com a demora na liberação de verbas das emendas parlamentares e cargos no governo (Caixa), Lula pediu que Padilha atendesse o presidente da Câmara. Na reunião ministerial, puxou-lhe a orelha. Dirigindo-se a Padilha, Lula disse que Lira, às vezes, fala mal do ministro. “Às vezes, não, presidente. Fala todo dia”, respondeu Padilha, quebrando o gelo da tensa reunião.

Na mesma linha, Lula também cobrou Rui Costa (Casa Civil) por demorar na liberação de emendas e nos processos de nomeações para cargos públicos.

Queda de popularidade

As broncas foram diversas, mas nada se comparou com o pito dado em Nísia Trindade, principalmente por sua fragilidade nas políticas públicas de saúde, como no caso da epidemia de dengue, que, segundo o presidente, não vem sendo combatida como deveria. “A ação do Ministério da Saúde precisa ser mais incisiva, mas dura”, disse Lula, olhando fixo para a ministra.

• Ela sentiu o golpe e precisou deixar o salão de reuniões para chorar. No dia seguinte, o presidente a chamou novamente no Palácio para uma reunião a sós. Todos pensavam que ela seria demitida, mas Lula decidiu mantê-la no cargo, que vem sendo cobiçado pelo PP de Lira. Ela pode cair a qualquer momento.

Para Haddad, o presidente pediu maior eficiência do Ministério da Fazenda no envio das normas de regulamentação da Reforma Tributária em discussão na Câmara. O ministro chegou a dizer, ao final do encontro, que, apesar das pressões de Lira, os projetos de regulamentação precisam ser feitos sem afogadilhos. “Se for agora em abril para o Congresso, e tivermos um bom relator designado, penso que é possível chegarmos até as eleições com um entendimento”, disse Haddad.

• O ministro Lewandowski também foi interpelado por Lula por causa das fugas no presídio federal de Mossoró, o que estaria desgastando o governo na área de segurança pública.

“O governo tem resultados bons, mas isso tem de ficar mais claro para a população”, disse Lula a Rui Costa, ministro da Casa Civil.

Pesquisas recentes mostram queda na popularidade do presidente e ele que acredita que obras e melhorias proporcionadas por seu governo não estão sendo suficientemente divulgadas Brasil afora.

Por isso a determinação, na reunião ministerial, é para que os ministros viajem mais e explorem melhor o que o governo está fazendo.

Os números mais recentes acenderam o sinal de alerta e irritaram Lula de várias maneiras. Diversos institutos de pesquisa, como a Quest, Ipec e a Atlas/Intel, mostram que o presidente vem sofrendo uma razoável queda na popularidade, inclusive entre os mais pobres, por causa do aumento dos preços dos alimentos.

Essas impressões ocorrem mesmo com índices considerados positivos na economia.
• O Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 cresceu 2,9% em relação ao ano anterior e fez o Brasil atingir o posto de 9ª maior economia do mundo, superando Canadá e Rússia.
A meta da inflação foi atingida,
e a taxa básica de juros sofreu sucessivos cortes desde junho do ano passado, chegando ao patamar atual de 10,75%, com novo corte de 0,50% na Selic nesta quarta-feira, 20.

Em um segmento caro a Lula, a sequência de más notícias permanece.
• Na Quest, a avaliação negativa do governo subiu de 36% a 48% entre evangélicos.
Na pesquisa Atlas/Intel, 57% dos evangélicos avaliam o governo como “ruim/péssimo”. No geral são 41%. • No levantamento do Ipec, a administração Lula é vista como ruim ou péssima por 41% dos entrevistados evangélicos e 32% no total da população.

“A ação do ministério [da Saúde] precisa ser mais incisiva, mas dura.”
Lula a Nísia Trindade, ministra da Saúde

Alguns ministros estranharam o tom duro do presidente ao pedir mais empenho para “vender melhor” as façanhas do governo. O mandatário deixou claro seu inconformismo com a perda de popularidade e não admitia que, talvez, o governo precise fazer ainda mais e fazer melhor.

Cobrou um refinamento na comunicação institucional. E o humor do presidente piorou com as declarações de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, de que o governo está perdendo a batalha da narrativa e da comunicação para a oposição.

(Evaristo Sa)

“O governo tem resultados bons, mas isso tem de ficar mais claro para a população.”
Lula a Rui Costa, ministro da Casa Civil

(Ato Press)

“O Lira às vezes fala mal de você, mas a relação precisa ser mais eficiente”
Lula a
Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais

Batendo cabeça

Cleyton Monte, cientista político da Universidade Federal do Ceará (UFC), acredita que há uma deficiência na comunicação oficial do governo, mas também existem problemas no gerenciamento das atividades dos ministérios, o que dificulta as articulações políticas do governo.

“Lula sabe que, em ano eleitoral, são necessárias respostas rápidas e que tenham a aprovação do eleitor médio, aquele que não é necessariamente petista. É possível que esse eleitor entenda que, atualmente, as ações do presidente e de seu governo não estejam voltadas para esse eleitorado, o que explica, em parte, a percepção negativa”.

Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

“Precisamos de mais agilidade para acelerar as pautas tributárias.”
Lula a Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Para dar a volta por cima na má avaliação, Lula explicou aos ministros que eles precisam se concentrar na execução dos projetos eleitos como prioritários, como:
Minha Casa, Minha Vida,
• Bolsa Família,
Farmácia Popular,
Mais Médicos, entre outros.

Lembrou que agora é hora de colher e não de criar novos programas. Chega de ministro ficar batendo cabeça e tentando criar programas sem falar com o presidente ou com a Casa Civil.

O petista disse que os ministros precisam fazer também os recursos, já escassos, render mais. O presidente, segundo auxiliares, estava agitado e acelerado. Percebendo o pouco ânimo de Rui Costa na reunião, Lula mandou um bilhete para o ministro da Casa Civil pedindo “mais entusiasmo”.