Recentemente, uma professora do ensino fundamental de um colégio estadual de São Paulo escreveu horrorizada nas redes sociais que um de seus alunos do sexto ano viu um capítulo da série Round 6 – produção sul-coreana da Netflix que se tornou uma das mais vistas de todos os tempos da gigante de streaming, com mais de 111 milhões de acessos. Segundo o relato dela, esse aluno, no final das aulas, se juntou com outras crianças no pátio da escola e começou a brincar de “batatinha frita 1,2,3”.

Para aqueles que desconhecem a brincadeira, ela consiste em um tipo de pique-esconde. Uma das crianças vira de costas e começa a falar “batatinha frita 1,2,3”, enquanto outras crianças que estão às suas costas correm depressa tentando chegar até ela. Porém, ao terminar de contar, as demais precisam ficar em posições de estátuas, quem se mexer perde a brincadeira.

Na trama sul-coreana, a brincadeira é parecida com a realidade, com pequenas diferenças: os jogos são disputados por adultos e quem perder é brutalmente assassinado. E este, sem dúvidas, foi o motivo da produção se tornar uma febre mundial. Nele, adultos, pobres, com dezenas de contas para pagar, dívidas caríssimas, sem nada a perder, são convidados a entrar em uma disputa com outras centenas de pessoas.

No final, o único vencedor leva um prêmio bilionário em dinheiro e a chance de recomeçar a vida do zero, com todas as dívidas pagas. A série, entretanto, mexe com o lúdico e o imaginário das pessoas ao misturar os jogos mortais com brincadeiras de crianças – entre eles: cabo de guerra e bolinha de gude. Quem nunca brincou de algum desses jogos que atire a primeira pedra – calma, não precisa atirar nada!

O problema é que como em todos os casos de séries, filmes e livros que tenham virado febre no Brasil e no mundo, as pessoas começaram a reconstituir as cenas da produção sul-coreana. E, na maior parte delas, feitas por crianças. Na França, cinco crianças do terceiro ano de um colégio tiveram que ser levadas com urgência a um hospital local após repetir uma das brincadeiras da produção em um estreito corredor da instituição de ensino.

Apesar da classificação indicativa no streaming estar acima dos 16 anos, o próprio criador de Round 6, Hwang Dong-hyuk, pediu aos pais que mantenham seus filhos longe da produção, mas com centenas de vídeos no Youtube, memes no whatsapp, informações pelas redes sociais, além de conversas paralelas de coleguinhas, quem fica imune ao conteúdo da produção?

Escolas de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, e de outras capitais brasileiras estão tomando medidas que visam suspender qualquer brincadeira que faça alusões à série sul-coreana. Incluindo, por exemplo, jogos de bolinha de gude, pique-esconde e cabos de guerra.

É necessário supervisionar e intervir se os jogos oferecerem riscos a vida ou integridade das crianças, claro, mas proibir jogos que ajudem no desenvolvimento cognitivo das crianças pode não ser produtivo aos pequenos em um futuro próximo. São nessas brincadeiras, no momento do intervalo, que elas socializam com outras crianças.

Na bolinha de gude, por exemplo, eles aprendem além da noção estrutural de espaço, a motricidade fina, como o controle e a destreza em executar o movimento de lançar a bola sobre as demais e as habilidades matemáticas para somar ou subtrair as bolinhas.

Mais do que proibir, os pais precisam estar juntos dos filhos, gerenciando os horários a que eles têm acesso ao computador e ao streaming, assistir aos filmes e séries juntos e sempre ensinando o que deve ,e não deve, fazer. Até porque, finalmente, as crianças nascidas em meio a revolução tecnológica estão interessadas nos jogos de rua de antigamente. Elas apenas precisam ser ensinadas da maneira certa, e não serem proibidas de brincar.

Entretanto, parece que a discussão em torno da série terá alguns episódios a mais. Vereadores de Içara, em Santa Catarina, aprovaram o envio de uma solicitação à Netflix para que o streaming retire a série sul-coreana do catálogo, pois ela estaria impactando a saúde mental das crianças e adolescentes. A proposta foi enviada ao streaming no dia 20 de outubro, mas ainda não houve resposta. Diferente da música, brincadeira de criança… nem é tão bom assim.