“A aventura mais louca da minha vida”: é assim que a francesa Maryam Kaba descreve sua experiência no sambódromo, dançando em cima de um carro alegórico durante um ensaio técnico.
Sua amiga, a também francesa Anne Cécillon, corre nos bastidores para colar – um a um – os detalhes em strass de sua fantasia.
Anne e Maryam estão no Brasil há cinco e três anos, respectivamente, e vivem uma experiência excepcional. Embora vários estrangeiros vão desfilar nos dias 26 e 27 de fevereiro, comprando fantasias para apoiar as escolas de samba, poucos são os que se dedicam de corpo e alma a esse projeto.
Maryam, de 38, integra a Comissão de Frente da Vila Isabel e é a única mulher, desfilando ao lado de 14 homens – todos com corpos esculturais, inclusive ela.
“O coreógrafo me alertou. Ele me disse: ‘você é a primeira na avenida, você carrega toda a escola nas costas’. Se a Comissão de Frente for mal, toda a escola vai mal”, conta ela, encharcada de suor depois de mais um dos vários ensaios que terminou depois das três da manhã.
– Da Afrovibe ao samba –
“Não era realmente um sonho desfilar no Carnaval do Rio. Nunca pensei em fazer isso. Era uma coisa superdistante para mim. Eu dizia para mim mesma: precisa ser brasileiro para realmente amar o Carnaval, precisa ter isso no sangue”, confessa a jovem francesa, que foi descoberta no Facebook.
“Deus a colocou diante dos meus olhos. Eu procurava uma grande mulher e a encontrei. É a francesa mais brasileira que eu já vi. Ela tem um sangue extraordinário”, emociona-se o coreógrafo Patrick Carvalho.
Maryam chamou a atenção de Patrick, graças ao Afrovibe, uma nova modalidade, que ela criou com uma amiga e que mistura fitness e dança africana. As aulas acontecem pela manhã, quase sempre na praia.
Além do desafio artístico, essa ex-atleta de ginástica rítmica orgulhosa de seu penteado afro se sentiu atraída pelo tema escolhido pela escola: “o som da cor”, sobre a influência dos negros na música.
“Nosso grupo representa os escravos, mas somos os primeiros a entrar. No Brasil, há graves problemas de desigualdade racial, então, o que a gente representa no Carnaval é superforte”, comenta a filha de um marfinense e mãe francesa.
– ‘Com amor’ –
Já Anne Cécillon, bailaria por formação, não estará sob a luz dos holofotes no Sambódromo. Recém-chegada do México, onde tinha uma companhia de cabaré, ela sempre se interessou pelas fantasias. No Rio, dedicou-se a estudar moda especializada em Carnaval e começou a bater nas portas dos barracões das escolas.
Depois de muito insistir, esta loura de 46 anos conseguiu fazer parte – como voluntária – de um ateliê da Grande Rio. E não foi qualquer oficina, e sim a de “fantasias especiais”, destinadas, principalmente, às musas da escola que saem como destaque nos carros alegóricos.
“Como isso passa na televisão, com closes, é preciso ter atenção com cada detalhe. Cada fantasia é feita a mão, com amor”, afirma, enquanto mergulha a mão avidamente em um grande saco de strass.
O chefe do ateliê, Fernando Abreu, que ainda não havia trabalhado com uma estrangeira, está satisfeito de poder contar com esse novo olhar.
“Trocamos nossas experiências sem parar e aprendemos muito um com o outro”, elogia.
Mesmo com o aumento da pressão à medida que o grande dia se aproxima, Anne espera ansiosamente pelo desfile.
“Vai ser maravilhoso. Para mim, é realmente um sonho. Vou ficar muito emocionada, acho que vou até chorar”, admite.