Francisco Brennand se irritou com a última cerimônia do Globo de Ouro, que viu pela televisão. “Nunca presenciei coisa tão ridícula”, diz a ISTOÉ. “Aquilo daria um filme: as atrizes vestidas de preto ao lado de militantes feministas para protestar contra os homens. Foi um ataque à arte, entre muitos aque ela está sofrendo. Que as estrelas de Hollywood me perdoem, mas me encanto com a beleza feminina.”

O artista pernambucano de 90 anos é o último gênio artístico brasileiro vivo do século 20. Ele se dedica a um tema que virou polêmico recentemente: as variedades e mudanças da representação do sexo. Uma exposição na Caixa Cultural Rio de Janeiro apresenta, entre 13 de janeiro e 11 de março, 31 obras do acervo pessoal, datadas de todas as fases de uma carreira iniciada em 1947, entre cerâmicas, esculturas, gravuras e pinturas. Ele não acha que haverá protestos, como se deram em outras exposições em que o sexo é mostrado de maneira direta, como ele faz. “Arte é uma atividade de risco”, diz. “Não poderia ser diferente.”

Ele se declara espantado com fatos de hoje. É uma civilização que torna a sexualidade superficial pelo excesso de exposição ou de ocultamento: “A gente não sabe nada sobre o ciclo menstrual e das marés. Não só desconhece a sexualidade como a banaliza”. Ele considera um despropósito expor um homem nu e fazer uma criança apalpá-lo. “Isso é brincar com fogo. A nudez é metafísica”.

FIGURAÇÕES “Placa Peixe”, cerâmica (sem data) telas retratam meninas: “Toques” (2013), “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo” (1995) e, influenciado por Balthus, “A Jovem e a Mãe Terra” (2000)

OBSESSÃO A escultura “A Fonte do Desejo” (1987) aborda a sexualidade

FALSO RECLUSO

Brennand é descrito como recluso, pois não sai de sua Oficina Cerâmica, misto de casa, ateliê e museu localizado no bairro histórico da Várzea em Recife, fundado em 1971. No mesmo local funcionava o Engenho Santos Cosme e Damião, que pertence a sua família desde o século 19. “Não tenho nada de ermitão”, afirma. Segundo ele, isola-se na Oficina para trabalhar. “Daqui da minha cidadela, acompanho tudo o que acontece. O que me mantém vivo é a curiosidade pelo mundo, em especial pelo atual, com sua instantânea sobrecarga de notícias. Estou aprendendo mais uma vez a decifrar o mundo, como as pessoas sentem e falam, hoje tudo é mais rápido, ninguém tem paciência de debater mais de dois minutos sobre um tema.” Até para testar a comunicação, gosta de conversar com os visitantes da Oficina: “Quem quiser me encontrar, estarei sempre aqui na Várzea… vivo ou morto.”

Nos últimos tempos, dedica-se às telas, porque é menos cansativo que suas célebres cerâmicas. Foi incentivado a pintar pelo pintor polonês Balthus, que conheceu em Paris em 1948, apresentado pelo colega Cícero Dias — as pinturas eróticas de Balthus hoje são alvo das feministas porque ele usava modelos adolescentes. “Tenho pintado mais. São mulheres e meninas, como em “Chapeuzinho Vermelho” (será que ela não é a loba sedutora?). Mas o que falta aos meus quadros é passar pelo fogo”, afirma, referindo-se ao processo de criar peças de cerâmica. “Pinturas são inteiramente autorais Quando a cerâmica passa pelo forno, a matéria se modifica e se revela. A minha contribuição a elas como artista se limita a 50%. A cerâmica traz sempre consigo a surpresa.”

Brennand define sua obra citando a pergunta que Pôncio Pilatos faz a Jesus, depois que este lhe diz que era a verdade: “Que é a verdade?” Para ele, buscar a verdade é tatear no escuro: “Os pintores não pintam a natureza, e sim a pintura”, afirma. “É uma cadeia que vem de Michelangelo a Picasso. Se não fosse pintar sobre o que os outros pintaram, não saberíamos pintar. Somos cegos em relação à natureza”.