Acionista de uma das maiores empresas de papel e celulose do mundo, a Klabin, o economista Horário Lafer Piva, ex-presidente da Federação da Indústria de São Paulo (Fiesp), vê um país sem lideranças capazes de promover as mudanças necessárias para enfrentar o coronavírus e atravessar a recessão de 2020. “Acho que Brasília desconhece a gravidade dessa crise. Quando olho as propostas atabalhoadas, as intrigas palacianas e essas interferências nos últimos dias sobre o número de casos (do coronavírus), fico muito tenso”, disse. O empresário participou ontem da série de entrevistas ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão.

Para o executivo, a figura que tem o poder de unir todos os Poderes é o presidente da República. “Quando o Executivo deixa as coisas ao Deus dará, sempre me lembro dos filmes dos irmãos Coen: um probleminha vai crescendo, crescendo…”. Segundo ele, há um conjunto de medidas dos governos federal, estaduais e municipais que estão descompassadas. “Quem poderia unir o País? O presidente da República.” Ele destacou, porém, que o presidente Jair Bolsonaro parece estar em negação sobre os problemas atuais do País.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a Klabin tem enfrentado a pandemia? A empresa é privilegiada por ser exportadora?

A Klabin tem, de fato, situação mais privilegiada por ser uma exportadora e trabalhar com mix de produtos com muita demanda em épocas como essa – como celulose para produção de papel e papelão ondulado, que têm um crescimento razoável por conta do e-commerce. Isso tudo acabou mantendo a nossa atividade. As empresas estão revendo o seu modelo de trabalho e a sua cultura organizacional neste momento do coronavírus e também para planejar o retorno ao trabalho.

Há desalinhamento entre o governo federal e de parte dos governadores sobre o fim do isolamento. Como o sr. avalia isso?

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Vejo com preocupação. Tenho uma preocupação sobre a exata compreensão que o governo federal tem da crise. Acho que Brasília desconhece a gravidade dessa crise. Quando olho as propostas atabalhoadas, as intrigas palacianas e essas interferências nos últimos dias sobre o número de casos (de coronavírus), obviamente fico muito tenso. Tendo a achar que os governadores estão tendo um comportamento melhor do que o governo federal. Eles se cercaram melhor de técnicos. Não gostaria de ver esse conflito acontecendo, mas dada a falta de liderança neste momento e essa quase negação do presidente no seu núcleo duro, acho natural que haja conflito.

Esse desalinhamento também existe entre os empresários?

Estamos percebendo nessa crise uma democracia muito mais frágil e uma nação mais pobre, dividida e confusa. Exceto na solidariedade. Mas, do ponto de vista do enfrentamento da crise, vejo posições diferentes. Há um núcleo pequeno de empresários que criou essa relação com Brasília mais forte, mas que não tem força quantitativa para representar o empresário de geral. Esse grupo (mais próximo a Brasília) tem uma visão parecida com a do presidente, infelizmente.

O sr. escreveu um artigo crítico à Fiesp, questionando a representatividade dessa entidade na economia atual. As entidades de classe têm sido de alguma forma relevantes nesses tempos de pandemia?

Esse artigo tentava mostrar essa confusão que muitas vezes existe no Brasil entre a política e a representação. Muitas vezes o representante empresarial acaba, por seu desejo de participar da política, misturando as coisas. Isso diminui sua capacidade de representação porque obviamente o próprio representado começa a desconfiar das razões por trás de tudo aquilo. Nossa proposta não era simplesmente criticar, mas fazer uma provocação sobre como a governança precisa mudar num momento em que tudo se transforma com rapidez.

Bolsonaro participou recentemente de uma live com empresários na Fiesp para pedir pressão pela reabertura da economia. Como o sr. vê isso?

O presidente da Fiesp (Paulo Skaf) criou um grupo de presidentes de empresas que se aglutinou ali em razão dessa relação dele com o Bolsonaro. Essas pessoas não foram demandadas por outros industriais como seus representantes.

O governo federal sofreu uma série de baixas – a mais recente, do empresário Carlos Wizard, que nem chegou a assumir seu cargo. Estamos em um barco sem comandante?

Estamos em um momento muito complicado. Temos um regime presidencialista, um modelo no qual quem tem a caneta é o chefe do Executivo. Se ele não tiver uma visão de país que nos leve todos para um lado só, fica difícil. Sou a favor de mudar a estrutura política e retomar o tema da ética. Quando o Executivo deixa as coisas ao deus-dará, eu sempre me lembro dos filmes dos irmãos Coen: um probleminha vai crescendo, crescendo… Você vai criando vazios econômicos, tensões sociais. E se vive hoje uma situação de muito ódio, polarização e empobrecimento. Falta uma liderança. Precisamos alinhar todas as forças para um lado só. Há inexistência de debate público. E isso corrói a sociedade, e isso faz com que as políticas públicas sejam malfeitas.

As declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril foram muito criticadas. Isso pode atrapalhar as empresas brasileiras?

Li as declarações e há questões que podem ter tido uma interpretação diferente naquele contexto. O ministro tentou falar dos obstáculos burocráticos do Brasil – e ele tem alguma razão. Agora, o tema da sustentabilidade é muito sensível, é necessário muito conteúdo e muita consistência no que se diz. A Amazônia é nossa, mas é um patrimônio (global), inclusive do ponto de vista de futuro melhor aproveitamento da biodiversidade pelo Brasil.


Essa declaração provocou um ‘racha’ em uma das principais entidades do agronegócio, a Sociedade Rural Brasileira (SRB). O Brasil está mais dividido?

Na agroindústria, há claramente um contingente de pessoas mais conservadoras – que discutem coisas como porte de armas – e uma ala muito moderna, conectada com as demandas do mundo. A divisão na indústria é menor. Tem pessoas pedindo para tomar cuidado com a abertura comercial, para voltar logo ao trabalho… Apesar disso, eu vejo mais consenso do que dissenso.

A economia pode sofrer ainda mais por causa da crise política?

Corremos grande risco de sair de uma crise para uma depressão. Essa crise tem uma dimensão muito profunda. É sanitária, econômica, política, social e emocional. Muitas empresas e empregos não vão sobreviver. Temos de pensar o crescimento com mais igualdade de oportunidade. É capaz dessa crise ser uma oportunidade civilizatória. Mas não estamos lidando bem com isso até agora. Em vez de criamos uma coalizão, vivemos o presidencialismo de colisão e deixando as oportunidades escaparem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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