BRASILEIRO DO ANO – Luís Roberto Barroso, Ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

RESUMO

• Eleito para presidir a Corte em meio às investigações sobre os ataques de 8 de janeiro, o ministro deu total suporte ao trabalho dos magistrados do tribunal que foram obstinados na defesa das instituições democráticas e na luta contra o obscurantismo político que os bolsonaristas tentaram implantar no País.
• Ao comentar a homenagem “Brasileiro do Ano” que lhe foi prestada por ISTO É, Barroso disse que precisava “repartir” a honraria com os ministros do STF e também do TSE, que “conseguiram criar um dique seguro contra o avanço autoritário”.
• Destacou também que se não houvesse o apoio da sociedade civil, da imprensa e de toda parte da classe política, a manutenção da democracia teria grandes dificuldades. “A preservação da democracia é sempre um projeto coletivo. Me orgulho de ter feito parte dele, mas é um mérito que deve ser repartido por muitas pessoas e com outras instituições”, disse Barroso.

Aos 65 anos, Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), é considerado um ministro liberal e progressista, com decisões tomadas ao longo da sua vida alinhadas com a esquerda brasileira, mas sempre muito respeitadas, sobretudo por serem respaldadas na Constituição. Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 1980, onde hoje leciona Direito Constitucional, ele fez doutorado na Harvard Law School (EUA), aprimorando sua atuação como advogado, profissão que passou a exercer já em 1981. Foi também procurador do Estado do Rio de Janeiro desde 1985, cargo que só deixou de exercer em 2013, quando foi indicado para o cargo de ministro do STF pela então presidente Dilma Rousseff.

Como advogado, destacou-se em casos de grande repercussão. Defendeu o militante de esquerda Cesare Battisti, condenado por assassinato e terrorismo na Itália, e passou a ser reconhecido como um dos advogados mais importantes do País.

Ficou conhecido em casos de grande de destaque na vida nacional, entre eles, por ter feito a defesa das pesquisas com células-tronco embrionárias e também da equiparação das uniões homoafetivas. E defendeu ainda a proibição do nepotismo no Poder Judiciário. Outro processo polêmico que patrocinou no STF foi o da interrupção da gestação de fetos anencefálicos.

Após tanto destaque na Justiça brasileira, acabou sendo indicado por Dilma para o STF, Na sabatina, foi aprovado por 26 votos favoráveis e só um contrário. No Plenário, passou com 59 votos a favor e somente 6 contrários. Ele é presidente do STF desde setembro, quando assumiu o posto no lugar da ministra Rosa Weber. Ficará no cargo pelos próximos dois anos.

Sempre solícito e disposto a falar com os jornalistas, Barroso falou à ISTOÉ sobre o atual momento da entidade que preside e que ainda vive sob o efeito de polêmicas provocadas pelo Senado, que aprovou restrições ao STF, limitando decisões individuais da Corte.

Depois de uma grande troca de farpas entre os dois lados, o clima político esquentou em Brasília, mas o presidente da Corte não admite que tenhamos enfrentado uma crise institucional entre Poderes.

“Não creio que haja nenhum tipo de crise institucional. Até porque o problema com a PEC que foi aprovada no Senado, na minha visão, não é propriamente de conteúdo. O conteúdo da PEC, no que ela tem de relevante, já havia sido absorvido pelo Supremo pela mudança de regimento feita na gestão da ministra Rosa Weber. O que causou algum desconforto foi o momento em que isso está sendo feito. No mesmo ano em que o prédio do Supremo foi invadido e depredado, justamente porque protegia a democracia, o Senado achou que o Supremo era a instituição que deveria ser modificada”, disse o presidente do Supremo, para quem isso não condiz com a realidade.

“A minha visão é que parte da sociedade foi induzida artificialmente a acreditar na crença equivocada de que o Supremo era um problema, o que nunca foi. Parte dos agentes políticos procuram expressar esse sentimento. Um sentimento de certo ressentimento com relação ao Supremo. O que tenho procurado fazer, além de conversar com as lideranças políticas, é demonstrar à sociedade que o Supremo tem sido parte da solução e nunca do problema.”

“O que causou desconforto é que no mesmo ano em que o STF foi invadido, justamente por proteger a democracia, o Senado achou que o Supremo era a instituição a ser modificada”

O ministro prefere não acreditar que a posição do Senado sobre as decisões monocráticas seja uma retaliação ao STF pelo fato de o tribunal ter tomado medidas que o desagradaram, como a inconstitucionalidade do marco temporal e a descriminalização da maconha.

“Não gosto da palavra retaliação. Até porque acho que as pessoas têm todo o direito de terem visões diferentes e posições críticas. No arranjo constitucional brasileiro, o Supremo tem como papel decidir as questões mais divisivas da sociedade. Estamos sempre desagradando alguém ou algum segmento poderoso da sociedade. Podem ser os indígenas, produtores rurais, contribuintes ou governo. Decidimos questões que vão de encontro, muitas vezes, a interesses de grupos relevantes. E eles manifestam a sua contrariedade. Isso faz parte da democracia. Agora, se cada grupo contrariado se articular para mudar a estrutura do Supremo, não haverá institucionalidade que possa resistir”, disse.

O ministro esclareceu que no caso das drogas, o tribunal apenas está distinguindo o que seja porte para consumo pessoal do que seja tráfico. “Por que esse é o papel do Supremo? Porque chegam muitos habeas corpus no Supremo em que é preciso decidir se aquela quantidade era para consumo pessoal ou se era tráfico. Se o Supremo não decidir, quem vai decidir será o guarda da esquina.”

Quanto ao marco temporal, o que o Supremo decidiu é que se alguma comunidade indígena tivesse sido violentamente desapossada de uma área, mas tenha persistido na região, reivindicando aquela área, ela não perdeu o direito. “Não defendemos picaretagem e ocupação artificial. Defendemos direitos legítimos, que preexistiam à Constituição de 1988.”

O fato é que a votação do Senado desagradou alguns magistrados do STF, como foi o caso de Gilmar Mendes (foto abaixo), que disse que a Corte não é composta por covardes e chamou seus detratores de “pigmeus morais”.

Barroso, contudo, não vê ameaças à quebra da normalidade democrática. “Divergências pontuais não afetam a normalidade democrática. A democracia não é um regime político do consenso, é um regime político em que a divergência é absorvida de forma institucional e civilizada. O presidente do Congresso manifestou a sua opinião, manifestei a minha e o ministro Gilmar, a sua. Cada um tem o seu estilo nessa vida, mas não vejo nenhuma quebra de normalidade e sequer quebra de civilidade. O que houve foram visões contrapostas”, contemporizou.

Brasileiro do Ano: Luís Roberto Barroso, do STF, um democrata incansável
(Pedro Ladeira)

“A democracia não é um regime político do consenso, é um regime político em que a divergência é absorvida de forma institucional e civilizada”

Mas Barroso não acredita que a questão avance no Congresso. “A minha bola de cristal, ultimamente, anda bem embaçada. A expectativa do Supremo é que esta seja uma agenda que não avance na Câmara, porque não a consideramos prioritária para os interesses do País”, disse o ministro, preferindo não comentar se o STF pode vir a considerar a medida inconstitucional caso seja aprovada na Câmara.

O presidente do tribunal também não acredita que o Senado venha a adotar outras restrições ao STF, como a idade mínima e mandatos para ministros.

“A minha opinião é que não é hora de se mexer na estrutura e no funcionamento do Supremo porque não é ali que estão os grandes problemas nacionais. Neste momento, estou preocupado com o avanço do crime organizado, com o sistema tributário, que é concentrador de renda, o déficit habitacional e com o déficit do saneamento básico no País. Tudo isso está na Constituição, não são preocupações políticas minhas. São questões institucionais. O País tem muitas outras prioridades que não envolvem mexer no pedido de vista no Supremo”, acrescentou o ministro.

Brasileiro do Ano: Luís Roberto Barroso, do STF, um democrata incansável
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco

“Pacheco manifestou a sua opinião e eu manifestei a minha. Cada um tem o seu estilo, mas não vejo nenhuma quebra de normalidade e sequer quebra de civilidade”

Além das questões estruturais do País, Barroso está atento também à preservação da democracia. “O Supremo teve um papel decisivo na vigilância das instituições democráticas, mas a experiência mundial revela que tribunais sozinhos não conseguem conter o processo autoritário. Eles precisam da participação igualitária, eu diria, de discernimentos importantes da sociedade, imprensa e da classe política. Onde o autoritarismo conquistou hegemonia nesses setores, a democracia não resistiu. Foi o que aconteceu na Hungria, Rússia, Turquia, Venezuela e Nicarágua. Acho, sim, que o tribunal teve um papel decisivo. Mas essa não é uma batalha que se vence sozinho”, justificou Barroso.

Tanto assim que o tribunal aguarda com ansiedade a chegada do ministro Flávio Dino como o 11º componente da Corte. Para Barroso, Dino tem bons predicados para compor o STF. “O ministro Flávio Dino foi juiz de carreira concursado e, aliás, aprovado em primeiro lugar no concurso. Depois foi deputado, governador bem avaliado, eleito Senador e vinha tendo um bom desempenho como ministro da Justiça. Tanto é um bom quadro, que teve boa passagem pelos três Poderes da República. Vejo como uma escolha feliz do presidente. Todo mundo sabe que defendo a feminilização dos tribunais. Porém, essa escolha é uma prerrogativa do presidente, e acho que escolheu um bom nome”.

Mas Barroso também está preocupado com a sua gestão à frente do tribunal. Ele já elegeu como uma das suas prioridades aumentar a eficiência da Justiça.

“Isso significa, dentre outras coisas, reduzir o prazo de duração dos processos. Estou muito empenhado nisso. Instituí um Exame Nacional de Magistratura que vai, de certa forma, uniformizar o conhecimento básico dos magistrados. Com isso, criaremos um patamar relevante para acabar com rumores de que alguns concursos pudessem ter coisas erradas.Tenho o propósito de colocar energia na feminilização dos tribunais, aumentar o número de mulheres nos tribunais, dando cumprimento a uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça. Quero também mudar a estatística racial do Judiciário, incentivando, mediante bolsas de estudo, candidatos negros a prestarem concurso para a magistratura em melhores condições de competitividade. Esses são alguns pontos importantes da minha agenda”, enumerou.