Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

Brasileiro deportado foi preso no dia da eleição de Trump; esposa segue presa

Pedreiro vendeu tudo no Brasil para morar nos Estados Unidos. Preso, foi deportado sem a esposa, com quem não tem contato

Jair Amaral/EM/D.A Press
Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Com a mesma roupa que usava quando foi preso pelas autoridades de imigração dos EUA no dia 6 de novembro de 2024, Erionaldo Santana desembarcou no Brasil há duas semanas. Daquele dia, data da vitória de Donald Trump, até ser deportado para o Brasil, o pedreiro de 50 anos vestiu um macacão laranja dos centros de detenção de imigrantes. Mineiro de Contagem, Erionaldo pousou em território brasileiro no último dia 25, acorrentado dos pés às mãos e portando só seu passaporte e um envelope com os documentos da deportação. O mais importante lhe faltava: sua mulher, Rosineila Pimentel Moreira, e o sonho de uma vida nos Estados Unidos — que lhe custou tudo o que tinha no Brasil.

O sonho americano começou em 2024, quando Erionaldo decidiu vender a casa onde morava com Rosineila, na região metropolitana de Belo Horizonte, além de todos os utensílios domésticos e algumas roupas. O pedreiro conseguiu juntar R$ 150 mil para pagar os coiotes que os transportaram ilegalmente até os Estados Unidos. Ele tinha o sonho e a esperança de melhorar sua vida e a de sua família.

Brasileiro deportado foi preso no dia da eleição de Trump; esposa segue presa

Na cadeira da sala de sua avó, na comunidade de Cabana do Pai Tomaz, em Belo Horizonte, Erionaldo relembrou à coluna o dia em que foi preso pelos agentes do Immigration and Customs Enforcement (ICE), a agência de Imigração e Alfândega americana.

Na manhã em que Trump foi anunciado como o novo presidente dos Estados Unidos, o pedreiro e sua mulher foram surpreendidos pelos agentes no local onde trabalhavam. Segundo Erionaldo, outros colegas de trabalho, imigrantes ilegais como ele, também foram detidos. Depois daquele dia, o pedreiro nunca mais viu sua casa, seus documentos, seu carro e o princípio da “vida melhor” que havia começado a construir.

Erionaldo contou que, quando foi preso, foi empurrado e tratado com agressividade pelos agentes. O pedreiro disse que sentiu muita vergonha e desespero quando foi algemado junto com sua mulher, como dois criminosos.

“Eu não sabia o que fazer quando eu vi a gente ali naquela situação. A gente nunca teve problema com a Justiça no Brasil, a gente é trabalhador, não pratica crime, mas eles tratam a gente dessa forma [como criminosos]. Me jogaram contra a parede, me algemaram nos pés, nas mãos, e na cintura. Me separaram da minha mulher, eu não conseguia falar com ela”.

Brasileiro deportado foi preso no dia da eleição de Trump; esposa segue presa

Desde novembro, Erionaldo só via sua mulher aos sábados. No primeiro mês, os dois ficaram presos com outros imigrantes ilegais em Massachusetts, estado onde moravam. Em dezembro, foram transferidos para outra penitenciária do ICE, em Montana. Até a data de sua deportação, o pedreiro tentava reverter sua deportação e de sua mulher e, apesar da profunda tristeza que sentia, Erionaldo ainda tinha esperança.

No dia 15 de janeiro, foi transferido, sozinho, para uma prisão de imigrantes ilegais em Louisiana. Dez dias depois, no dia 24 de janeiro, sem qualquer aviso prévio, saiu no voo com 158 brasileiro que tinha o aeroporto de Confins, em Minas Gerais, como destino final. Por problemas técnicos, o avião teve que pousar em Manaus. Erionaldo contou à coluna que os passageiros foram avisados sobre os problemas já durante uma escala no Panamá.

“Quando pousamos em Manaus e fomos informados de que, mesmo com problemas técnicos, eles iriam levantar voo novamente, começamos a ficar com medo de morrer. Aquele avião poderia cair com todo mundo algemado, e eles não ligavam. Estávamos sendo tratados como bandidos”, disse o pedreiro.

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Durante o voo, que teria uma duração de 12 horas se não fosse o problema técnico, todos os passageiros ficaram algemados, até para comer e ir ao banheiro. Devido ao calor, algumas pessoas passaram mal. Segundo Erionaldo, a tripulação jogou água na cabeça e na nuca dos deportados que apresentaram sintomas de mal-estar.

Ao pousar em Manaus, Erionaldo disse que ele e outros brasileiros não se conformaram por ainda estarem algemados dos pés às mãos em território nacional. Os deportados, então, começaram a se revoltar, levantar de suas cadeiras e intimidar as autoridades e tripulantes americanos para conseguir abrir a saída de emergência da aeronave. Vídeos mostram que os brasileiros deportados desembarcaram do avião por uma ponte inflável.

De Manaus, Erionaldo e outros passageiros voaram para Confins em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB). Já desalgemado, o pedreiro sentiu o peso do recomeço, que nada parecia com a sensação que teve naquele agosto de 2024, quando recomeçou sua vida ao lado de sua mulher nos Estados Unidos.

Com a mesma roupa que usava no dia em que foi preso, com seu passaporte e um envelope de documentos de sua deportação na mão, Erionaldo chegou à casa de sua avó, sozinho. Rosineila ainda está presa em uma penitenciária do ICE, em Montana, e espera sua deportação.

A família não tinha notícias do pedreiro e de sua mulher até o último dia 25, quando descobriu que ele estava no avião de deportados para o Brasil. Heidy Ferreira, avó de 90 anos do pedreiro, acreditava que ele poderia estar morto.

“Minha filha, mãe dele, dizia que não tinha mais notícias, que nenhum dos dois [Erionaldo e Rosineila] davam sinal de vida desde novembro. Ele não me deu parabéns no meu aniversário. A gente achou que ele estava morto. Porque isso acontece, né? Quem vai para lá de coiote fica ilegal… E aí ele apareceu aqui”, contou Heidy.

Impedindo que as lágrimas escorressem pelo rosto castigado pelo sol do trabalho braçal da construção civil, falou sobre o novo recomeço: “Larguei tudo por uma vida melhor e fiquei sem nada. Queria pelo menos que ela [Rosineila] estivesse aqui”, disse, voz trêmula.