Sob a chuva gelada, o brasileiro Gil Ferreira se congela enquanto veste um ajustado traje de neoprene, antes de entrar no mar para surfar as ondas hostis e atrativas do Ártico.

Escondida entre fiordes singulares, a baía de Unstad atrai 32 surfistas na Lofoten Masters, a única competição de surfe no extremo norte do planeta (latitude 68,9°).

É no arquipélago das Ilhas Lofotes que Gil Ferreira e seus colegas desafiam as intempéries para surfar.

“Todo mundo pensa que eu sou louco. Me dizem: ‘mas o que você tá fazendo? Tá muito frio’. Eu estou acostumado, só isso”, explica o brasileiro nativo de Natal, no Rio Grande do Norte.

“Gosto quando as pessoas ficam perplexas com o que eu faço”, acrescenta Ferreira.

Aos 32 anos, o brasileiro se impôs pela quinta vez no mar gelado, com temperaturas que rondaram os 5º C. Somente com uma roupa de neoprene de 6 milímetros de grossura, luvas, capuz e botas, é possível encarar essas condições.

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“No Brasil, você coloca uma bermuda e vai pra praia. Aqui, você precisa se vestir fora da água. Surfar a -5 graus é um golpe para o corpo quando você tira a roupa. Se você surfa mais de duas horas, já não sente mais os dedos, é bastante extremo”, explica Ferreira.

O brasileiro se mudou há nove anos, depois de se apaixonar por uma norueguesa. Desde então, o Ártico é seu campo de jogo favorito. A região atrai cada vez mais surfistas, muitos da Escandinávia, mas também dos Estados Unidos ou de Bali.

– Chuva, neve e arco-íris –

Os corajosos para enfrentar essas condições se encontram em Unstad, no clube local Arctic Surf. O espaço é organizado por Marion e seu marido Tommy Olsen.

Marion, cujo pai Thor Frantzen rompeu fronteiras ao surfar na Noruega pela primeira vez em 1963 ao lado de dois amigos, criou o Lofoten Masters em 2007.

Com o passar dos anos, a competição, que é transmitida ao vivo pelo Facebook, se transformou em um clássico no calendário. Alguns encaram dois dias de carro para participar do evento. Os participantes ficam, em sua maioria, num camping onde dezenas de apaixonados acompanham o espetáculo na pequena praia de areia cinza durante quatro ou cinco dias

Com um sol forte e um pouco de neve no topo das montanhas, a paisagem é perfeita para saborear todas cores de Unstad. Um arco-íris se forma para coroar a vista.

“A primeira vez que vim, não podia imaginar que poderia fazer tanto frio na água. Tudo era tão verde que parecia o Havaí”, lembra Ferreira sobre as primeiras impressões que teve da Noruega.

– Encontro com focas –

“Vim sem luvas, sem botas… Sentia tanto frio que não era capaz de me manter de pé na prancha. No dia seguinte, já optei por uma combinação mais quente e no dia depois começou a competição. Ganhei, adorei e disse para mim que tinha eu tinha que viver aqui” explica o brasileiro.

Gil Ferreira começou a surfar em Natal. Quando menino, vendia cocos na praia e ficou atraído pela maneira como os surfistas domavam as ondas. Por ter pouco dinheiro, começou a se aventurar utilizando a bandeja com a qual carregava os cocos, até o momento que ela quebrou.


Sua mãe fez uma proposta: compraria uma prancha de verdade, mas o menino teria que trabalhar mais para poder pagá-la. A partir daí, passou a vencer 50 cocos em vez de 20, saldando sua dívida e tornando-se surfista profissional.

“Não parei de surfar. É minha vida. Quando eu tiver 60 anos vou continuar surfando”, advertiu.

Conhecido na Escandinávia, onde conta com vários patrocinadores, Gil Ferreira sente saudades do Brasil, sobretudo nos longos e sombrios invernos noruegueses.

“Cheguei a ver focas na água… Na primeira vez eu saí correndo. Com minha roupa preta eu estava muito parecido com elas e fiquei com medo de ser atacado”, lembrou entre risadas.

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