O relatório do Conselho Nacional de Eleições que decretou a vitória de Nicolás Maduro na Venezuela não foi suficiente para convencer o governo brasileiro a sinalizar o reconhecimento do resultado. Ao contrário, o Planalto tem pregado cautela e cobrado transparência na divulgação da apuração.

De acordo com o CNE, Maduro venceu o pleito com 51,2% dos votos, enquanto o candidato da oposição, Edmundo Gonzáles, obteve 44%. Enquanto os maduristas comemoram, os opositores protestam e apontam uma possível fraude na votação. 

Para especialistas, o histórico madurista tem corroborado para as suspeitas. No governo desde 2012, após a morte de Hugo Chávez, Nicolás Maduro adota uma gestão ditatorial e de controle da máquina estatal. 

Na avaliação do professor de Relações Internacionais do Insper, Leandro Consentino, há chances do pleito ter sido fraudado pelo governo venezuelano. Ele lembra que o CNE é controlado pelo exército madurista. 

“O conselho eleitoral é controlado pelo Maduro. Além do mais, dados agregados das atas eleitorais não estão sendo divulgados, o que coloca em suspeição o processo eleitoral. Há boas chances do pleito ter sido fraudado, tanto pelo histórico da ditadura venezuelana, tanto pela totalização dos resultados pouco usual”, afirma. 

Na América Latina, o Brasil faz coro com a Colômbia e o México ao ficar “em cima do muro”. Os presidentes da Argentina, Javier Milei, e do Chile, Gabriel Boric, por exemplo, já colocaram em xeque a credibilidade do resultado. 

Mesmo com o envio do assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, como observador, o Itamaraty aguarda acesso às atas do CNE para opinar sobre o resultado. O silêncio também é visto no entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

“Aguarda, nesse contexto, a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”, afirmou o Itamaraty nesta segunda-feira, 29, em nota. A pasta ainda saudou o ‘cenário pacífico’ no pleito realizado no domingo, 28. 

Além de Amorim, observadores internacionais também foram convocados para analisar a transparência na votação venezuelana. Porém, o governo Maduro impôs restrições de acessos aos observadores, o que corrobora as suspeitas sobre a transparência da votação. 

“Temos de pensar na participação internacional no monitoramento eleitoral. A presença dos observadores, que é crucial para assegurar a transparência, tem restrições muito graves do governo. Isso só levanta mais preocupação acerca da legitimidade do processo”, afirma Emerson Malheiro é Professor de Direito Internacional e Direitos Humanos das Faculdades Metropolitanas Unidas. 

Consentino vê o Brasil com dificuldades de reforçar o discurso de fraude. Na avaliação do professor, o governo petista não descarta a possibilidade, mas evita colocar Maduro na berlinda. 

“Essa demora pode ser uma hesitação muito grande do ponto de vista do governo de um lado de preservar a aliança com Maduro e do outro as suspeitas de fraudes que se avolumam”, explica o professor. 

“O governo brasileiro tem dificuldade de encaminhar um discurso de fraude porque é muito aliado de Maduro. O venezuelano foi um dos primeiros a congratular o presidente Lula em 2022, por isso é muito complicado para o governo brasileiro colocar seu aliado na berlinda agora”.

Lula se afastando de Maduro… Até por aí 

As falas de Maduro sobre um possível “banho de sangue” na Venezuela caso perdesse as eleições não foram bem recebidas por Lula. O petista rebateu e pediu respeito ao resultado. Em resposta, ouviu do venezuelano o pedido para tomar um chá de camomila. 

O embate entre os aliados pode ser interpretado como o início de um rompimento entre dois chefes de Estado muito próximos. Aliado do chavismo, Lula se viu em uma “sinuca de bico” com as falas ditatoriais de Maduro, que atacou o sistema eleitoral brasileiro. 

Leandro Consentino avalia ser difícil Lula aceitar uma vitória de Maduro neste momento devido ao regime autoritário ir na contramão da democracia defendida pelo petista. Ele ainda aponta que a sinalização do Brasil pode influenciar nas decisões de outros governos latinos. 

“Hoje em dia, é muito difícil para o Lula sustentar uma posição em que não se alinha à democracia — cada dia mais o Maduro está mais distante de uma democracia. Mas há quem diga que isso pode ser um jogo de cena para que o brasileiro consiga manifestar uma liderança na região”.

“O posicionamento brasileiro é importante devido ao seu tamanho de área e economia é o líder, tem um posicionamento importante na região. Na conjuntura também é importante dado que Maduro é uma liderança isolada do ponto de vista das democracias e que o Brasil tem uma certa interlocução. E isso pode tornar o Brasil um fiador de um eventual governo Maduro ou de uma tentativa de fraude eleitoral”, completa. 

O professor do Insper vê também uma postura ambígua de Lula e do Itamaraty sobre o resultado na Venezuela. Porém, ele admite haver um estremecimento na relação entre o petista e o chefe de governo venezuelano. 

“É uma postura ambígua, mas que já mostra uma mudança de padrão em relação às congratulações anteriores. Hoje há, de fato, uma relação menos amistosa entre ambos”. 

Caso o rompimento se concretize, o Brasil terá cenários diferentes perante a comunidade internacional. Lula poderá se aproximar cada vez mais dos Estados Unidos e da União Europeia, mas terá que enfrentar o estremecimento das relações com países asiáticos. 

“Se Lula romper com Maduro, várias consequências podem surgir. Terá o isolamento de Maduro e aumentaria muito mais a pressão sobre o seu regime. Isso pode fazer com que outros governos tomem providências ainda mais duras contra a Venezuela”, explica Emerson Malheiro. 

“A medida ainda melhoraria a relação com países ocidentais, principalmente os Estados Unidos e a União Europeia. Ainda haverá um impacto nas relações com a China e a Rússia, que são aliados de Maduro. Eles podem enxergar o rompimento com desagrado e afetar o comércio com o Brasil”. 

Se Lula manter o apoio, as consequências serão piores e o Brasil deve enfrentar críticas da comunidade internacional. O proveito do petista poderá ser visto apenas na mediação de conflitos no governo venezuelano. 

“Caso ele mantenha, as consequências também serão multifacetadas. A reputação internacional será afetada. Haverá críticas internacionais e pode ser acusado de complacência com um regime autoritário”, avalia Malheiro. 

“Em compensação, a aliança poderá colocar o Brasil como um mediador potencial na crise venezuelana. Ajudando a prover o diálogo, a negociação. Se for interpretado assim, poderá ser positivo ao país”, completa.