Tribunais que emitem leis, congressistas com agendas de governantes e um governo que agita a sociedade para pressionar as instituições: bem-vindos ao Brasil de Jair Messias Bolsonaro, onde as funções de cada Poder colidem cada vez mais entre si.

Em maio, o presidente Jair Bolsonaro e os líderes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) concordaram em assinar um “Pacto pelo Brasil”, na tentativa de estabelecer uma trégua, depois de manifestações que tiveram por alvo os Poderes Legislativo e Judiciário.

A ideia foi abandonada em meio a novas alfinetadas.

“Nós não precisamos de pacto assinado no papel. O pacto que nós precisamos, com o Poder Legislativo e com o Poder Executivo, é o nosso exemplo, de votarmos matérias, de apresentarmos proposições que fujam do populismo”, declarou Bolsonaro na quarta-feira.

“Respeito todas as Instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade”, tuitou, por sua vez, o ministro da Justiça, Sergio Moro, após os atos populares de domingo em apoio a ele.

O ícone da luta contra a corrupção se encontra em uma posição defensiva, depois do vazamento de mensagens que supostamente mostrariam sua parcialidade em relação à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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“Estamos passando por uma transformação muito grande, e no meio de uma transformação tão grande, é difícil entender o que está acontecendo. (…) A mudança tem muito a ver com o clima mundial, de crescimento da direita, do conservadorismo, com a direita mais truculenta do ponto de vista verbal e dos métodos”, afirma Sylvio Costa, do Congresso em Foco, site especializado em questões legislativas.

As polêmicas se concentram basicamente nas redes sociais, mas a tensão cresce em um país com 13 milhões de desempregados e quase outros 5 milhões de pessoas que desistiram de procurar emprego por falta de oportunidades.

“Se a economia continuar tão ruim, haverá cada vez mais pessoas endividadas, falidas, e esse cenário estimula ações irracionais, desesperadas”, adverte Costa.

– Rainha da Inglaterra –

Ao chegar ao poder em janeiro, Bolsonaro prometeu governar sem negociar com partidos, muito associados aos escândalos de corrupção nas últimas décadas.

Seu governo rapidamente se tornou, porém, um terreno de ajuste de contas entre os setores ultraconservadores e os militares, com o saldo até agora de quatro renúncias ou demissões em seu gabinete e várias outras nos escalões secundários da administração.

Viu-se então crescer o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, como o principal articulador das reformas reclamadas pelos mercados.

Os parlamentares infligiram, além disso, derrotas ao Executivo em temas de grande repercussão. O Senado, por exemplo, rejeitou o decreto presidencial de flexibilizar a posse e o porte de armas.

Depois do anúncio do “pacto” entre Poderes, Bolsonaro avisou a Maia: “com a caneta, eu tenho muito mais poder do que você”.

“Apesar de você (Maia) fazer as leis, eu tenho o poder de fazer decreto”, acrescentou.

Em junho, preocupado com o inesperado dinamismo do Congresso, Bolsonaro questionou: “Querem me deixar como rainha da Inglaterra?”.


Uma posição difícil para alguém que já sinalizou pensar nas eleições de 2022.

– Hiperativismo judicial –

O STF representa outra frente nessas batalhas que mais uma vez colocam à prova a resistência institucional do Brasil. Desde o retorno da democracia, em 1985, o país passou pelo impeachment de dois presidentes (Fernando Collor e Dilma Rousseff); um chefe de Estado (Lula) está preso e condenado a quase nove anos de prisão; e outro (Michel Temer) foi detido duas vezes e acusado por corrupção.

Uma decisão suspendeu a transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura em junho, e outra criminalizou a homofobia, contrariando tanto Bolsonaro quanto o Congresso, com forte influência dos grupos evangélicos e outros ligados ao agronegócio.

“O STF nos últimos anos tem tomado decisões em assuntos tipicamente reservados ao legislador”, afirma Ivar Hartmann, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio).

Esse intervencionismo é facilitado geralmente graças aos recursos apresentados pelos congressistas contra projetos nos quais foram derrotados politicamente.

“Transformaram o Supremo em um órgão superpoderoso como não existe em nenhum outro país do mundo”, explica Hartmann.

“Cada vez mais assuntos chegam ao Tribunal, que vai ocupando os vazios deixados pelos impasses entre os Poderes”, concordam os juristas Daniel Capecchi Nunes e Luiz Fernando Gomes Esteves, em um artigo publicado no site jota.info.

As críticas não parecem incomodar os ministros.

“Eu respondo por mim, eu não me impressiono. Quem vem para cá tem que ter couro e tem que aguentar qualquer tipo de crítica, isso faz parte”, declarou o presidente do STF, Dias Toffoli.

Ainda assim, a estratégia do STF não permitiu evitar a crise de confiança que afeta as instituições.

Segundo uma pesquisa Datafolha de abril, 29% dos brasileiros dizem não confiar na Presidência da República, 32% não acreditam no Supremo, e 41% têm essa mesma percepção em relação ao Congresso.



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