Nem tudo são más notícias no Brasil. Escrevo este texto quando o Senado está prestes a aprovar o novo marco do saneamento básico. O texto aguardava votação desde o final do ano passado, quando passou pela Câmara dos Deputados.

O saneamento é motivo de vergonha para o Brasil. Em pleno século XXI, o país mantém um número inaceitável de pessoas em condições medievais. São 104 milhões de brasileiros  sem acesso à coleta de esgoto – praticamente metade da população! – e outros 35 milhões de brasileiros sem acesso à água potável.

Apesar da urgência inegável, a esquerda tentou atrasar a mudança. O PT argumentou que uma sessão remota, em meio à pandemia, não era o ambiente adequado para tratar do tema. Poderia até ser o caso, se o projeto não estivesse em debate há meses. A enrolação foi rejeitada por um placar de 61 a 12.

A verdadeira preocupação por trás da tentativa de adiar a votação era outra. O projeto amplia as oportunidades de participação da iniciativa privada no saneamento. Por isso, enfrenta grande resistência da burocracia estadual e municipal que domina o setor. É uma resistência ideológica e corporativista. Ou seja, bem ao gosto do PT. Mas ela finalmente se tornou minoritária.

Hoje, apenas 6% dos serviços de saneamento são concedidos a empresas privadas. As companhias estaduais dominam o setor (cerca de 70%), seguidas por empresas municipais. Esse modelo estatal não deu certo. Com poucas exceções, as empresas são ineficientes. É irracional não tentar algo novo.

O mecanismo encontrado foi tornar obrigatória a licitação dos serviços à medida em que forem vencendo os contratos vigentes. Licitação é sinônimo de competição. As estatais terão de competir em condição de igualdade com empresas privadas interessadas em investir no setor. Não serão mais aceitas gambiarras como os chamados contratos de programa, que eternizavam o vínculo com as estatais capengas às custas do interesse público.

É claro que existem preocupações legítimas quando se fala em transferir ao setor privado um serviço tão relevante quanto o saneamento. Não se pode entregar de presente às novas concessionárias toda a infraestrutura já pronta.

Mais importante, é preciso impedir que as empresas privadas abocanhem apenas os contratos mais rentáveis, que dão retorno financeiro, e deixem as pequenas comunidades entregues à própria sorte – ou, mais uma vez, entregues às possibilidades do poder público.

O projeto atentou para esses riscos, criando mecanismos para impedir que patrimônio público seja entregue de mão beijada para empresas privadas e para incentivar o chamado subsídio cruzado – quando o dinheiro proveniente de um investimento rentável tem de ser aplicado em regiões menos atraentes.

Além de dar oportunidade aos estrangeiros de jogar o jogo, o novo marco do saneamento traz outro benefício enorme: regras claras e segurança jurídica.

As mudanças pró-mercado eram indispensáveis porque a infraestrutura no Brasil não vai melhorar na velocidade necessária sem dinheiro privado e, especialmente, estrangeiro.

Estima-se que 80% de tudo que foi investido em infraestrutura no Brasil desde 2016 teve origem fora do país. Grana não falta no mundo. Antes do coronavírus, havia US$ 70 trilhões dando sopa em fundos de financiamento. Atenção: trilhões.

É possível que esse valor tenha aumentado com a insegurança causada pela pandemia. Investidor é um bicho arisco. Mas responde bem quando sente que está pisando em terreno firme.

O Brasil vive encalacrado entre os arreganhos da direita xucra e os atrasos da esquerda senil. Precisa de mais votações como a de hoje.