Governantes e autoridades dos mais diversos setores da engrenagem social têm o dever de dar transparência a seus atos – trata-se de um princípio basilar do regime republicano. Vale lembrar a maravilhosa e definitiva definição do já falecido Louis Brandeis, um dos mais eficientes juízes que teve assento na Suprema Corte dos EUA: “A luz do sol é o melhor detergente”.

No Brasil, no entanto, a República se faz de patrimonialismo, e ocupantes de cargos do Estado transformam-no em seus próprios quintais. Apagam a luz, gostam do escuro, e, assim, decretam sigilo sobre aquilo que merece claridade porque toda a sociedade tem o direito de saber. Vejamos alguns exemplos:

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, abriu uma averiguação disciplinar em relação ao ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, pelo fato de ele ter participado de comício político-partidário no Rio de Janeiro – isso é vedado a militares pelo Regimento Disciplinar das Forças Armadas. Surge, então, o presidente Jair Bolsonaro, que não quer que Pazuello seja punido, e ordena por telefone que a nota oficial do Exército, explicando o processo, seja mantida em segredo. A sociedade foi jogada no escuro dos interesses pessoais e, em decorrência, mesquinhos. O Estado de Direito e a República foram atropelados por Bolsonaro.

A polícia civil do Rio de Janeiro está envolvida até o pescoço na chacina de vinte e oito pessoas na Favela do Jacarezinho. Em meio às investigações… surpresa: a secretaria de Polícia Civil colocou sob sigilo, por cinco anos, incursões policiais realizadas nas comunidades desde 5 de junho do ano passado. Ou seja, a sociedade nada saberá sobre Jacarezinho e outros investigações que apuram eventual cometimeto de abusos por parte de policiais.

Em janeiro último, Jair Bolsonaro decretou sigilo de um século para a sua carteira de vacinação – … gente, cem anos para uma carteira de vacinação. O motivo é óbvio: ele, que se diz contra vacina, que propala que a pessoa que tomá-la “vira jacaré”, é claro que se vacinou contra a Covid, escondido, antes de qualquer brasileiro. E não quer que vejam a carteira.

Façamos uma viagem no tempo, olhemos pelo retrovisor o ano de 1889. No dia 15 de novembro proclamou-se a República – de fachada. Com a República ainda engatinhando, já se pensou em  decretar sigilo sobre toda a documentação referente ao período de escravatura no País. Conseguiu-se, e, dessa forma, por um bom tempo ficou valendo a louca tese de que não houvera escravos pretos em nosso chão. Pior: Rui Barbosa, um dos maiores gênios que o Brasil já gerou, fez uma absurda proposta: incinerar toda a documentação referente ao período.

A conclusão a que se chega é apenas uma: como aqui no País políticos e autoridades têm muita roupa suja, é melhor esquecer o sol e o detergente aos quais se referiu Brandeis.