Os brasileiros continuam apostando nos relacionamentos afetivos. Mas as uniões afetivas são cada vez mais marcadas pela informalidade do que pelas assinaturas em cartórios e cerimônias religiosas. Uma pesquisa divulgada em março último pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atesta que a quantidade de casamentos oficiais no País está em queda desde 2015.

Na outra ponta, os divórcios não param de crescer. Em 2002, último ano de registro do estudo, eles chegaram a 420 mil, um acréscimo de 8,6% em relação ao ano anterior.

Em 2002, houve pequeno aumento, de 4%, no número de casamentos tradicionais, que bateu nos 970 mil.

Mas cabe uma explicação para esse ponto fora da curva. O total do período inclui grande parte das uniões adiadas nos dois anos anteriores, durante a pandemia, quando aglomerações foram evitadas ao máximo nas igrejas e proibidas nas unidades cartoriais.

É certo que a tendência de queda volte a ser verificada nos próximos levantamentos. “A queda mais expressiva no número de uniões formais foi identificada entre 2019 e 2020. Isso tem relação com a pandemia e o distanciamento social”, explica a gerente da pesquisa, Klívia Brayner. “Mesmo com o crescimento em 2022, o número de registros não superou a média de 2015 a 2019, anos anteriores ao surto de covid”.

O tempo médio das uniões oficiais também foi reduzido.
Em 2010, elas resistiam 16 anos em média.
Doze anos depois, passaram a durar apenas 14.

Outro dado curioso: as pessoas estão dizendo “sim” mais tarde.
Em 2000, apenas 6% das mulheres que se casaram tinham 40 anos ou mais.
Em 2022 foram 24%, uma a cada quatro.

O aumento foi notável também entre os homens de mesma faixa etária: o percentual subiu de 10% para 30% no período.

Brasil registra menos casamentos e mais divórcios. Saiba os motivos
Beto Riginik

“Poucas pessoas têm disposição para prestar atenção em detalhes na separação.
Como ouvinte, procuro ter abertura, e não julgamento.”
Anna Gallafrio, doula (orientadora) em divórcio

Na avaliação da advogada especialista em registros públicos Daniela Freitas, o “amor romântico” avalizado pelos documentos vem caindo em desuso. “A tendência começou a ser verificada, sobretudo, após a definição dos direitos e deveres do casal com a união estável. Ela possui efeitos muito próximos ao casamento”.

Daniela tem uma tese para explicar também o aumento da quantidade de divórcios. “As pessoas continuam a amar, mas muitas delas preferem ocupar suas vidas com outros interesses a partir do momento em que o relacionamento começa a provocar alguma insatisfação importante. Isso ajuda a aumentar o total de separações formais e informais”, detalha. “Não significa que estejamos nos casando menos. A rigor, ocorre o abandono da ideia da obrigação de um único casamento na vida, até que a morte nos separe, em troca da liberdade para nos unirmos uma, duas, três ou quantas vezes forem necessárias, até chegarmos a uma vida afetiva satisfatória”, acrescenta.

“A pandemia intensificou o convívio. Isso acabou com muitas uniões. Uma coisa é se encontrar no fim do dia; outra é passar o dia inteiro, todo dia, junto.”
Candice Pomi, psicóloga

A psicóloga Candice Pomi, dois filhos, separada após 21 anos de casamento, lembra outro ponto importante. “A pandemia intensificou o convívio. Uma coisa é o casal se encontrar no fim do dia; outra é passar o dia inteiro, todo dia, junto”, compara. “Essa realidade levou muitos casais a adiar o casamento e outros a buscar o divórcio”.

Candice procurou psicoterapia e os serviços da doula (orientadora) de divórcio Anna Gallafrio. Com mais de cem mulheres em processo de separação no currículo, Anna também livrou-se de um casamento em crise após oito anos de união. “Poucas pessoas têm disposição para prestar atenção nos detalhes dessa fase. Como ouvinte, procuro ter abertura, e não julgamento”, resume. “Por ser neutra, Anna foi fundamental. Ajudou-me a catalogar o que se passava”, lembra Candice.

A estudante de psicologia Amanda Gomes separou-se 2022, após um casamento de quatro anos. Assinou os papéis do divórcio em abril último. “Meu ex-marido não queria a separação, mas tínhamos diferenças e a relação esfriou. Quanto mais insistíamos, mais as diferenças gritavam. Aí não teve jeito. Nos separamos nos amando. Foi difícil”.

A convivência diária na pandemia, diz ela, foi fatal. “Voltamos para a casa dos meus pais. Com a interação todo dia, sem pausa, nos desestabilizamos”, conta ela.

Ninguém se casa para se separar. E, naturalmente, em maior ou menor grau, todos sofrem de alguma forma com o fim. Mas a nova tendência possibilita, ao menos, maior liberdade para tomar a atitude de deixar a infelicidade para trás.