11/10/2023 - 11:47
Selmar Klunk soube por grupos do WhatsApp, pouco após o meio-dia de 4 de setembro, que a situação em Encantado, pequena cidade gaúcha, estava fora de controle por causa das inundações.
Depois de quase 24 horas de chuvas intensas, o rio Taquari, que margeia o município, transbordou completamente. Klunk deixou seu trabalho e, com água na altura da cintura, se juntou a voluntários que evacuavam vizinhos de suas casas, na parte baixa da cidade.
“Pegou todo mundo de surpresa, não estávamos preparados. Com um plano, teria sido possível salvar [muitas] vidas”, lamentou este homem de 52 anos, que trabalha com turismo. Ao menos 51 pessoas morreram no Rio Grande do Sul por causa daquelas cheias. Sete continuam desaparecidas.
A 2.000 km de Encantado, um grupo integrado por cientistas, funcionários do governo e ONGs começou a discutir em um seminário, realizado no fim de setembro, em Brasília, como preparar o Brasil para mitigar os efeitos dos eventos climáticos extremos.
Diagnósticos apontam que os fenômenos que têm impactado o país reiteradamente nos últimos tempos tendem a se repetir.
Agora mesmo, o Amazonas sofre com uma seca extrema que ameaça o abastecimento de meio milhão de pessoas.
A isto se somam as inundações do mês passado no Rio Grande do sul e as chuvas recorde de fevereiro em São Sebastião, no litoral de São Paulo, que causaram deslizamentos, que mataram 65 pessoas.
“O problema da mudança do clima e dos eventos extremos [é] que batiam à nossa porta, agora a arrebentam, entram nas nossas casas e se instalam da pior forma possível”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante o seminário, promovido por sua pasta após a tragédia em São Sebastião.
Estima-se que no Brasil, 10 milhões de pessoas, distribuídas em 1.038 municípios – quase um quinto do total – estejam vulneráveis a eventos climáticos extremos, segundo o Centro de Monitoramento e Alertas Naturais (Cemaden), um órgão federal.
“Temos que ter um sistema de alerta rápido, áreas de fuga. Como as pessoas vão se proteger para não perder suas vidas e ter o mínimo de prejuízo possível?”, defendeu Marina.
A ministra assegurou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está trabalhando para conter o avanço das mudanças climáticas, por exemplo, reduzindo o desmatamento na Amazônia e, ao mesmo tempo, para se adaptar aos efeitos de um processo que “já está em curso”.
O Brasil está “na vanguarda na busca de soluções de adaptação”, afirma Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O cientista coordena a ferramenta “Adapta Brasil”, plataforma que mapeia todos os municípios e, processando bases de dados, determina seu nível de risco frente aos eventos climáticos.
O sistema calcula, por exemplo, o risco de deslizamentos de terra e inundações, segundo fatores como características do terreno, tipo de urbanização e condição socioeconômica da população, explica Ometto.
A plataforma “é inovadora” e pode ajudar os tomadores de decisões a agirem com base em “informações que têm densidade científica”, afirma o especialista.
Manter a Amazônia de pé é chave para evitar novas catástrofes, afirma o cientista Carlos Nobre, estudioso da maior floresta tropical do planeta, co-ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2007 como integrante da equipe de especialistas que compõem o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.
No entanto, “há uma urgência gigantesca para que, além de mitigar as emissões, tornemos os brasileiros mais resilientes aos extremos climáticos”, disse Nobre, ao qualificar como “inevitável” a repetição dos desastres.
Mami Mizutori, representante da ONU para a redução do risco de desastres, defende que os governos parem de “apenas responder” aos fenômenos climáticos extremos.
“Logicamente que as respostas são importantes, mas é preciso dar mais importância à prevenção. É preciso uma infraestrutura mais resiliente, diminuir a vulnerabilidade da sociedade e ter um bom sistema de governança”, disse Mizutori à AFP, durante visita ao Brasil.
Ele se mostrou otimista em relação ao país, destacando a luta de Lula contra “a desigualdade e a pobreza”.
“O Brasil se encaminha para se tornar um campeão mundial na prevenção e na redução do risco de desastres”, acrescentou a representante da ONU.
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