Aos 73 anos, Emerson Fittipaldi segue em alta velocidade. Se hoje raramente entra nas pistas, o bicampeão mundial de Fórmula 1 acelera agora como mentor de Emmo, seu filho mais novo. Após orientar sobrinhos e netos no asfalto, o ex-piloto orienta e acompanha o garoto de 13 anos, já considerado um talento no kart. Ao mesmo tempo, atende a diversos compromissos. Um deles será neste domingo, quando vai celebrar os 50 anos de sua primeira vitória na F-1. O triunfo em Watkins Glen, nos Estados Unidos, também foi o primeiro de um brasileiro na categoria.

Em entrevista ao Estadão, Fittipaldi lembra com detalhes daquela vitória histórica. Foi apenas o seu quarto GP na F-1. E era logo depois de um tragédia ocorrida em Monza, na Itália, onde o alemão Jochen Rindt, seu companheiro na Lotus, morreu em um grave acidente na pista. Do dia para a noite, o brasileiro virou o piloto número 1 de uma das principais equipes daquele momento, e logo em sua primeira temporada. “Eu estava muito pressionado”, recorda.

De lá para cá, o piloto faturou dois títulos e fez escola, com compatriotas do calibre de Nelson Piquet e Ayrton Senna, ambos tricampeões. O momento do Brasil na F-1, contudo, não é de animar. “Perdemos muitas oportunidades durante anos no Brasil”, avalia Fittipaldi, que aposta nos netos Pietro e Enzo para voltar a ter um brasileiro na categoria.

A entrevista foi concedida por telefone direto da Itália, onde ele está com a esposa e Emerson Fittipaldi Junior desde julho. É no país que é referência mundial no kart que Fittipaldi quer ajudar a desenvolver o filho Emmo, acompanhando-o em cada fim de semana de corrida. “Estamos correndo quase todo o fim de semana, até dezembro”, diz o bicampeão de F-1.

Ele fala no plural porque também vai para a pista neste mês. Fittipaldi pilotará a Lotus com o famoso chassi número cinco, aquele com o qual venceu seu primeiro GP há 50 anos e também foi campeão mundial dois anos depois, no Festival de Goodwood, na Inglaterra, no dia 18. “É o mesmo carro, vou usar até o mesmo macacão da época para comemorar”, revelou, na entrevista.

No dia 4 de outubro de 1970, o senhor venceu pela primeira vez na F-1. Quais são suas melhores memórias daquele dia?

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Foi um dia que começou com aquela tragédia no treino em Monza, foi a primeira vez que convivi com um acidente. O risco na época era uma realidade. Não corremos aquela etapa e também no Canadá. Eu era o terceiro piloto da equipe, o Rindt, que morreu, liderava o Mundial. Aí o Colin Chapman (fundador da Lotus) me liga: ‘Emerson, você vai ser o piloto número 1 da equipe’. E foi uma emoção grande para mim. Eu perguntei: ‘Você tem certeza? Eu não tenho tanta experiência’. Foi uma pressão psicológica e uma responsabilidade muito grande. A equipe toda estava muito afetada pela tragédia.

Como foi correr nestas condições?

Cheguei lá com “mixed feeling” porque a tragédia também me afetou muito. E com a responsabilidade de ser o número 1. E foi a primeira vez que pilotei a Lotus 72. Usei outro modelo nas corridas anteriores. Ou seja, eu estava aprendendo sobre a pista e sobre o carro. No sábado peguei a maior gripe, com mais de 40 graus de febre. No domingo, para ajudar, metade da pista seca e a outra, molhada. É a pior condição para se pilotar. Com a adrenalina, esqueci a gripe. No começo e nas primeiras dez voltas, fui muito cauteloso e treinando. Depois ganhei confiança e velocidade. Eu precisava chegar na frente da Ferrari para ajudar a equipe a ser campeã. Lembro até hoje do Colin jogando o boné dele na chegada. Ele sempre fazia isso quando a Lotus vencia. Tudo isso ficou na minha memória. Saímos de uma tragédia e agora tinha motivos para comemorar. E o Jochen Rindt acabou ganhando o Mundial. É o único campeão póstumo da F-1 até hoje.

50 anos depois, o Brasil está sem piloto, sem GP neste ano e sem contrato para 2021. Como o senhor avalia a situação do País na F-1?

Acho que nós perdemos muitas oportunidades durante anos no Brasil. Tínhamos pilotos com talento que não tinham apoio ou suporte. E que agora tem gente chegando lá. Temos que incentivar no Brasil a base, a raiz do automobilismo, que é o kart, onde se descobre os novos talentos. Todos os países do mundo fazem isso. Eu dou o exemplo da China, que começou a entrar no automobilismo mundial há pouco tempo. Nas corridas de kart, que estou frequentando agora, eu vejo muitos chineses. Eles têm apoio. No Brasil, temos a Fórmula Vee, uma fórmula de base. Quando acaba o kart no Brasil, é um problema. Precisamos ter uma Fórmula 4.

A pandemia atrapalhou os seus planos para o Emmo neste ano?

Atrapalhou muito até maio, quando ele correu em Charlotte, nos EUA. E ganhou. Viemos para a Europa no fim de julho. Ele participou de várias etapas do Europeu. E vai disputar o Mundial, em Portimão, em Portugal, na categoria junior. Vai ser sua primeira vez nesta competição. Tomara que tenhamos o Emmo, o Enzo, o Pietro e outros talentos brasileiros chegando lá.

Há planos para o Emmo disputar uma competição de fórmula nos próximos anos?

Com certeza. Ele, com 15 anos, vai poder correr na Europa. E a gente tá vendo a possibilidade de ele correr no México no ano que vem, com 14 anos, na Fórmula 4. Ele vai poder aprender muito antes de ir para a Europa.

Quais são as chances de o Pietro virar titular da Haas na F-1 no ano que vem?

O Pietro está numa posição muito boa com a Haas. Já tem uma história com a equipe. Ele sofreu aquele acidente em Spa, quando quebrou as duas pernas (em maio de 2018). Foi muito violento. Ele perdeu praticamente um ano, parado para se recuperar. A Haas gosta muito dele. Ele está bem cotado para virar piloto titular nos próximos anos. Existe agora chamada “dança das cadeiras”, todo mundo se posicionando. Muita coisa está acontecendo. Estamos torcendo.


Existe a possibilidade de a F-1 voltar ao Rio de Janeiro em 2021. O que acha disso?

Tomara que o Rio de Janeiro faça a pista, prometida pelos governantes há muito tempo. E que a gente tenha um GP do Brasil no Rio. Quem sabe podemos intercalar um ano em cada cidade. São Paulo tem uma histórica fantástico, um grande público. O ideal para mim seria alternar um GP em cada local. As duas cidades têm muita história no automobilismo. No Rio, desde os anos 20 tinha o circuito da Gávea. Eu tenho uma foto impressionante do Barão de Teffé, um dos primeiros pilotos do Brasil, sentado do lado do Santos Dumont. Foto histórica, sensacional. E Interlagos é um autódromo espetacular. Foi construído depois daquele acidente na Avenida Brasil, que tinha um circuito nos anos 30. Muitas pessoas morreram. Um carro quase caiu sobre o meu pai, que assistia à corrida.

Como foi a sua vida na quarentena?

Foi uma surpresa. Nós já tínhamos o objetivo de ver o Emmo correndo na Europa. Estávamos nos EUA quando aconteceu o lockdown. Ficamos três meses sem corrida. Depois viemos para a Europa. Como não teve corrida nos primeiros seis meses na Itália, começaram em julho a fazer uma prova atrás da outra. Estamos correndo quase todo o fim de semana, até dezembro. O mundo do automobilismo mudou. É muito estranho ver as 500 Milhas de Indianápolis sem público, uma Fórmula 1 sem fãs.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias